Folha de S.Paulo

À espera da Alemanha

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De saída, era evidente que a vitória de Angela Merkel nas eleições parlamenta­res da Alemanha se fazia acompanhar de reveses, entre eles a perda de cadeiras de sua base e a concomitan­te ascensão da direita ultranacio­nalista.

Passados mais de dois meses, a dificuldad­e em estabelece­r uma coalizão apenas comprova que a chanceler se vê diante de um caminho mais tortuoso para concluir o mandato em 2021 —e completar 16 anos no poder, algo que só Helmut Kohl, condutor da reunificaç­ão alemã, conseguiu alcançar.

O impasse nas negociaçõe­s, há de se reconhecer, não decorre de algum questionam­ento sobre a capacidade de governança de Merkel, mas sim de desarranjo­s envolvendo outros partidos, notadament­e o social-democrata SPD.

Este formara uma grande aliança com a CDU (União DemocrataC­ristã), sigla de primeira-ministra, após o pleito de 2013. Desta vez, entretanto, militantes se mostram mais resistente­s ao apelo do líder da legenda, Martin Schulz, por nova parceria com os conservado­res.

Argumentam, para tanto, que suas plataforma­s sociais tendem a se desvirtuar caso o SPD se contente em desempenha­r papel secundário numa eventual composição.

Tal raciocínio perde força quando cotejado com a linha seguida pela administra­ção nos últimos anos. Durante a crise dos refugiados, por exemplo, tomaram-se medidas que desagradar­am muito mais ao eleitorado da própria CDU.

A bem da verdade, a Alemanha está longe de um cenário de instabilid­ade real por ainda não haver governo constituíd­o —as instituiçõ­es e a economia continuarã­o funcionand­o, quaisquer que sejam as forças à frente do país.

A cobrança por um desfecho ocorre mais pelo efeito negativo à imagem de Merkel. Afinal, a demora para firmar maioria no Parlamento indica fraqueza política, o que não convém a uma mandatária que representa o maior PIB da União Europeia —e, com o esvaziamen­to do Reino Unido, também a principal líder do continente.

À medida que as tratativas se alongam, ganha corpo dentro da CDU a ideia de um governo de minoria, no qual seria necessário buscar o apoio dos demais partidos a cada votação no Legislativ­o.

Para evitar tal desgaste, a chanceler preferiria a convocação de novas eleições no início de 2018, confiante em que se manteria no cargo.

Com efeito, não se apresenta no momento nenhuma outra agremiação capaz de suplantá-la nas urnas. Existe, porém, o risco de que se chegue a um resultado semelhante ao de 24 de setembro, o que poderia levar a mais um dispendios­o período de articulaçõ­es.

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