Pivô da Lava Jato, Odebrecht fala nos EUA de vida empresarial pós-delação
Responsável por compliance da empresa diz que conglomerado se vê como uma ‘vitrine’
DE WASHINGTON
“O que fazer se sua companhia está direta ou indiretamente implicada na Operação Lava Jato?”
A pergunta, em inglês, era um dos tópicos do painel de que a Odebrecht participou nesta quarta (29) em Washington —a construtora fechou acordo de delação com o Departamento de Justiça americano (DoJ) e admitiu pagamento de US$ 1 bilhão de propina em 12 países, no que foi considerado o maior caso de corrupção da história.
A empresa foi chamada a compartilhar lições sobre transparência e práticas anticorrupção.
“Não é para dar lição. Compliance [termo que designa regras de conformidade] é dia após dia. Mas nessa busca existem práticas aprendidas, sim”, disse a executiva Olga Pontes à Folha.
Pontes, responsável pela área de conformidade da empresa, foi quem representou a Odebrecht na Conferência Internacional de Foreign Corrupt Practices Act, a lei americana pioneira no combate à corrupção.
Faz um ano e meio que ela assumiu o setor, após as revelações da Lava Jato.
Criou um departamento para fiscalizar as condutas empresariais do grupo, que responde ao Conselho de Administração, a mais alta instância da holding.
A equipe inicial de 20 pessoas mais que triplicou, e hoje tem 73 funcionários. O ritmo de trabalho é intenso: para viajar a Washington, a executiva abriu uma exceção à empresas que buscam práticas de compliance, mas sem citar nomes.
Maior companhia envolvida na investigação, a Odebrecht era o alvo preferencial das perguntas no painel desta quarta (29).
Alguns queriam saber como a empresa renovou seu relacionamento com o poder público. Outros, como fez o conselho se subordinar às decisões de conformidade.
“Fico grata, apesar de todo esse processo desgastante e doloroso, que a Odebrecht seja uma vitrine para outras empresas não quererem cometer os erros que ela cometeu”, comentou a executiva.
Segundo ela, a tolerância contra malfeitos hoje na empresa é “zero”.
O sistema de denúncias anônimas foi aperfeiçoado, é administrado por uma empresa independente e já resultou em demissões. “As pessoas ligam até para dizer que sumiu um real da mesa de trabalho”, comenta a executiva.
Pontes quer fazer com que a Odebrecht seja reconhecida no futuro como uma companhia de atuação ética, íntegra e transparente —mais uma vez, uma meta recebida com desconfiança.
A construtora está vendendo parte dos ativos para pagar as multas com a Justiça, que chegam a R$ 8,5 bilhões. O número de funcionários caiu de 200 mil para 80 mil.
A empresa já tem outros dois convites para palestras internacionais. Mas continua sob fiscalização: o monitoramento imposto pelas autoridades no acordo de delação só acaba daqui a dois anos.