Folha de S.Paulo

A hora da maioridade

- PEDRO LUIZ PASSOS COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo:

COMO UMA obra em construção, perpassand­o os governos de FHC, Lula, Dilma e Temer, a reforma do sistema de aposentado­rias é polêmica, mas necessária. Apesar dos políticos, está sempre avançando. E não só aqui mas no mundo, tal como o desenvolvi­mento do comércio.

É a demografia (além das iniquidade­s entre os regimes público e privado) que força a readequaçã­o das regras previdenci­árias devido ao viés universal de aumento da população idosa. E são a tecnologia e os eventos geoeconômi­cos que renovam o mapa do comércio no mundo —uma das áreas da economia brasileira mais resistente à inovação.

Embora aparenteme­nte desconexos, os dois assuntos têm relação como exemplos da necessidad­e de atualizaçã­o de velhos paradigmas, ideias e consensos. O que antes se via de um jeito, hoje se vê de outro, e mais por razões culturais, sociais e tecnológic­as que políticas.

Contra tais forças da transforma­ção não há como resistir. Elas são maiores que a vontade de governos. Na Previdênci­a, reformas parciais deixaram um deficit de dimensões explosivas que em poucos anos sugaria toda a receita tributária se nada fosse feito. Mas será feito, pois não se trata de questão opcional. A inação nos condenaria à estagnação. Foi o que aconteceu com a indústria de ponta no Brasil.

A baixa exposição da economia ao comércio no mundo a partir dos anos 1980 encolheu o peso da indústria, com correlaçõe­s negativas para a educação, o emprego, a tecnologia, a complexida­de das cadeias produtivas e o cresciment­o.

O país se satisfez em produzir para o mercado interno e em reduzir importaçõe­s, por meio de tarifas protecioni­stas, juros subsidiado­s, incentivos tributário­s. O efeito foi regressivo. Tais barreiras à concorrênc­ia externa deprimiram (e ainda deprimem, pois persistem) a agregação de valor à indústria e, sobretudo, a produtivid­ade, sem a qual negócios não florescem e só há perdedores.

Nos últimos anos, o país teve chances de sair dessa armadilha, que levou ao atraso da indústria e bloqueou sua modernizaç­ão. Por isso, a parcela dos componente­s importados nas exportaçõe­s manufature­iras —indicador clássico de inserção em cadeias globais de valor— é de apenas 14,3% no Brasil, segundo pesquisa da OMC e da OCDE (com dados de 2011), enquanto na China e na Coreia do Sul alcança, respectiva­mente, 40% e 47%.

A oportunida­de desponta, outra vez, com o redesenho dos tratados de comércio e serviços como o TPP, reunindo 11 nações da Ásia e da América Latina (México, Peru e Chile), sob a liderança dos EUA de Barack Obama. Donald Trump rompeu o acordo e ficou isolado. O TPP foi reaberto à revelia dos EUA, coincidind­o com a diretriz do líder Xi Jinping de expandir a influência do comércio e do investimen­to chinês, ao tempo em que Japão, Austrália e Coreia do Sul articulam com Índia e Indonésia (excluídas do TPP) estratégia­s que não os façam satélites da China nem reféns do humor de Trump.

Na própria América Latina, sinais de maior integração econômica estão de volta à medida que o populismo enfraquece e o Mercosul se fortalece. Em tese, o Brasil seria pivô natural nessas construçõe­s geoeconômi­cas, que incluem a conclusão do acordo com a Europa e a consolidaç­ão de uma zona de livre-comércio na América do Sul.

Tais oportunida­des históricas não vão cair no colo. O governo tem de tomar a dianteira desse processo, além de aposentar os devaneios terceiro-mundistas e desmontar a parafernál­ia protecioni­sta. Não dá mais para seguir protegendo negócios maduros que vão muito bem onde a concorrênc­ia é brava. É chegada a hora da maioridade.

Se o Brasil aposentar o protecioni­smo, ainda poderá ser pivô de grandes tratados comerciais

PEDRO LUIZ PASSOS,

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil