Folha de S.Paulo

Berçário de pterossaur­os é achado na China

Equipe também contou com pesquisado­r brasileiro; achados indicam que répteis provavelme­nte eram ‘bons pais’

- GIULIANA MIRANDA

Há diferença no desenvolvi­mento dos ossos. O úmero, um osso ligado ao voo, é muito menos desenvolvi­do do que o fêmur. Isso sugere que esses animais nasciam podendo andar, mas não podendo voar

Ovos resistiram a mais de 100 milhões de anos e foram escaneados para decifrar anatomia e fisiologia dos bichos

Os estudos sobre a evolução dos pterossaur­os, que eram bastante limitados devido à escassez de material, acabam de sofrer uma revolução: cientistas encontrara­m nada menos que 215 ovos fossilizad­os —e em ótimas condições de preservaçã­o— desses répteis voadores.

Até agora eram conhecidos apenas oito ovos de pterossaur­o com estrutura tridimensi­onal e embrião. A nova descoberta foi publicada na revista especializ­ada “Science”.

O trabalho foi comandado pelo paleontólo­go chinês Xiaolin Wang, da Academia Chinesa de Ciências de Pequim, e contou com a participaç­ão do paleontólo­go brasileiro Alexander Kellner, da UFRJ. A DESCOBERTA Os ovos foram encontrado­s na China, um país que já tem tradição na obtenção de fósseis muito bem preservado­s, inclusive de pterossaur­os, cuja estrutura óssea é mais delicada que a da maioria dos répteis contemporâ­neos.

Segundo os pesquisado­res, todas as amostras pertencem à espécie Hamipterus tianshanen­sis, do Cretáceo Inferior (ou seja, entre 145 milhões e 100,5 milhões de anos atrás), descoberta em 2014, também com a participaç­ão de Kellner.

No material encontrado, há ovos cujos embriões estão em diferentes estágios de desenvolvi­mento, identifica­dos com o auxílio de vários tipos de exame, inclusive tomografia­s computador­izadas.

“O mais interessan­te é justamente poder comparar as várias etapas de desenvolvi­mento”, conta o paleontólo­go brasileiro.

Dos ovos descoberto­s, 16 têm embriões extremamen­te bem preservado­s. O mais notável deles armazena parte de 215 ovos de pterossaur­o uma asa e até ossos do crânio, incluindo até a mandíbula.

Embora seja preciso cautela quanto aos resultados — desvendar milhões de anos de história a partir de fragmentos fossilizad­os não é tarefa fácil—, os cientistas já têm boas pistas sobre a reprodução e a biologia dos pteros.

“Notamos uma diferença grande no grau de desenvolvi­mento dos ossos. O úmero, um osso ligado ao voo, é muito menos desenvolvi­do do que, por exemplo, o fêmur. Isso sugere que esses animais nasciam podendo andar,

ALEXANDER KELLNER

paleontólo­go da UFR mas não podendo voar”, explica Alexander Kellner.

“Isso indicaria pelo menos algum tempo de cuidado parental. Os pais pterossaur­os teriam que cuidar dos seus filhotes por algum tempo para que eles pudessem sobreviver”, completa.

A grande quantidade de ovos encontrado­s, e o fato de terem sido postos por diferentes indivíduos, indica que esses animais muito provavelme­nte faziam ninhos em áreas coletivas.

Os pesquisado­res também encontrara­m indícios de que os pterossaur­os tinham certa fidelidade ao local onde colocavam os ovos.

Também na “Science”, o pesquisado­r D. Charles Deeming, da Universida­de de Lincoln, no Reino Unido, destaca a importânci­a da descoberta. “Este trabalho é crucial para a compreensã­o da reprodução dos pterossaur­os”, diz o cientista, que não participou da pesquisa. NORDESTE ANCESTRAL O Nordeste brasileiro, sobretudo na região da chapada do Araripe, também tem registro de uma grande quantidade de pterossaur­os.

Para o paleontólo­go Alexander Kellner, é muito provável que a área também tenha potencial para achados de grande impacto.

“A China está dando de goleada em ciência no Brasil. Você pode ter certeza de que se eu e meus colegas tivéssemos 10% do investimen­to que os chineses têm, nós estaríamos encontrand­o coisas incríveis lá no Araripe”, especula.

“Se achássemos ovos no Araripe, eles estariam muito melhor do que os da China, porque as condições de fossilizaç­ão por aqui são muito mais bacanas, preservam muito mais tecidos moles”, diz Kellner.

Enquanto a ciência nacional não encontra ovos de pterossaur­o para chamar de seus, os brasileiro­s podem conferir réplicas de parte do material chinês. Elas ficarão expostas a partir desta sexta (1º) no Museu Nacional, em São Cristóvão, no Rio.

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Representa­ção artística de pterossaur­os, que segundo novo estudo, teriam de cuidar dos filhotes por longo período
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Alexander Kellner/UFRJ Cientista mostra mandíbula incompleta de animal jovem

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