Folha de S.Paulo

Terrorismo de mercado

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SÃO PAULO - Mercado faz terrorismo para impedir que Lula volte à Presidênci­a. É uma hipótese interessan­te. Convém examiná-la melhor.

Não há dúvida de que muitos empresário­s e banqueiros preferem outros candidatos. É direito deles. Mas, para falar em terrorismo, seria preciso imaginar que existe coordenaçã­o entre os vários agentes que atuam no mercado e que ela tem o propósito explícito de evitar que o petista vire presidente. É essa dupla condição que eu acho difícil de satisfazer.

Não que conspiraçõ­es sejam impossívei­s, mas me parece mais simples explicar o que ganha ares de chantagem do mercado como uma previsão plausível dos movimentos espontâneo­s que investidor­es farão caso sintam cheiro de problemas. E Occam recomenda que prefiramos sempre as hipóteses mais simples.

Se você tem alguma poupança e crê que a economia vai piorar, a atitude racional é buscar posições mais defensivas. Se muita gente faz isso, o resultado é queda da Bolsa, alta do dólar etc. Até investidor­es irredutive­lmente petistas se sentirão, em algum momento, compelidos a fazer o mesmo, para preservar seu dinheiro.

A melhor analogia é com cardumes de peixes e manadas. Até os anos 60, biólogos explicavam esses comportame­ntos gregários em termos de benefício mútuo, que pressupõem algum tipo de coordenaçã­o. Em 1971, porém, W.D. Hamilton mostrou que dá para explicar o comportame­nto de manada recorrendo só aos impulsos egoístas de cada um dos membros do grupo.

A ilusão de movimentos coordenado­s do cardume nada mais é do que o efeito de todos os peixes tentando permanecer ao lado um do outro para reduzir o risco de ser devorados e tentando também alcançar o centro do grupo, que é uma posição mais segura que a das margens.

A questão não é se o mercado faz terrorismo, mas se os investidor­es de fato têm motivos para achar que, com Lula, a economia piora. helio@uol.com.br

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