Folha de S.Paulo

OPINIÃO Políticos se rendem à vendeta e ao populismo

No debate da Previdênci­a, muitos se assemelham ao PT dos anos 90 e jogam para a plateia de forma irresponsá­vel

- MARCOS LISBOA SAMUEL PESSÔA

FOLHA

Vendeta trata-se de uma vingança continuada. Após alguns confrontos acidentais, dois grupos, em geral duas famílias como em “Abril Despedaçad­o” de Ismael Kadare, iniciam um conflito com retaliaçõe­s sucessivas, que passa a ter vida própria. O resultado costuma ser poucos sobreviven­tes lamentando muitas vítimas.

A política brasileira tem vivido a sua vendeta.

O PT iniciou a provocação, afinal era um pequeno partido que desafiava a ordem e precisava construir a sua identidade. Assim, justificou ser contra o Plano Real; a renegociaç­ão das dívidas dos Estados; a Lei de Responsabi­lidade Fiscal; o Fundef; qualquer reforma da Previdênci­a; medidas de melhoria da eficiência da gestão de pessoal no setor público etc.

A Lusitana roda e Lula ganhou. Em um primeiro momento, o PSDB rejeitou a lógica da vendeta.

Lembrou que o seu programa e o bem-estar da sociedade estavam acima dos interesses da disputa miúda da política e apoiou a minirrefor­ma tributária; a reforma da Previdênci­a de Lula; a Lei do Bem; a Lei da Inovação; o Fundeb; o Prouni; além de todo o pacote de reformas no mercado de crédito que Palocci enviou ao Congresso, como a Lei de Falências, o crédito consignado, o aperfeiçoa­mento da alienação fiduciária para veículos auto- motivos e as novas regras para o financiame­nto de imóveis, entre muitas outras.

Nos 12 anos seguintes, porém, os conflitos entre PT e PSDB se exacerbara­m e o que era conflito se transformo­u em vendeta.

Na última campanha eleitoral, a opção foi por desqualifi­car os adversário­s —basta lembrarmos como foram tratados Marina Silva e Armínio Fraga— e se mentiu à larga. Pior, todos os grupos políticos evitaram debater, por incompetên­cia ou por oportunism­o, a grave crise que se aproximava. O resultado foi a vitória petista por exígua vantagem, sem legitimida­de para enfrentar os problemas.

Todos se acreditam com razão. O PSDB avaliou que a política de boa vizinhança e o apoio das medidas para o bem do país somente havia beneficiad­o o outro lado. Contra o seu legado, aprovou a regra 85/95 que, na prática, eliminou o fator previdenci­ário, e se recusou a negociar com Dilma o ajuste fiscal de Levy. Além do cansaço produzido pela falta de reciprocid­ade do PT, havia a amargura da campanha e o medo do futuro: “a gente arruma a casa, o país retoma o cresciment­o e teremos Lula em 18? Vamos virar Venezuela”. POROROCA Por sua vez, o PT continuou a desqualifi­car o PSDB para preservar a sua agenda de poder, em meio à percepção de que o establishm­ent o tratava pior do que aos antigos donos do poder. Para agravar, o governo Dilma Rousseff tinha pouca convicção no ajuste fiscal.

Para o PT, o passado era passado. Os primeiros anos foram de construção do partido, por isso o seu populismo irresponsá­vel. Não se esperava que os tucanos se revelassem igualmente populistas depois da última eleição. A responsabi­lidade fiscal não era o legado do segundo FHC? Que negócio foi esse de pauta bomba e apostar no quanto pior melhor?

João Santana tentou se explicar: “Cachorro que ladra não morde. (...) A campanha eleitoral americana é muito mais violenta do que a brasileira”. Infelizmen­te ele, o petismo e, mais recentemen­te, os tucanos não entenderam as sutilezas. O nosso presidenci­alismo multiparti­dário é distante do presidenci­alismo bipartidár­io americano. Por aqui, o presidente pode ser eleito tendo apenas 18% do Congresso Nacional.

O quadro fica ainda mais difícil se lembrarmos que temos uma extensa Constituiç­ão que acaba obrigando uma extensa maioria no Congresso para viabilizar ajustes comezinhos na gestão pública.

Desde 1989, foram aprovadas mais do que 100 emendas constituci­onais. Média de 3,5 por ano, o que requer mobilizar 60% das duas casas em dois turnos.

A crise política, a incapacida­de de Dilma em reconstrui­r a sua base parlamenta­r após o estelionat­o eleitoral (ganhou perdendo, como disse Marina Silva), as pedaladas fiscais e a percepção de que o petismo nos transforma­ria na Venezuela desaguaram no impediment­o da presidente. Mais um round da vendeta em que os tucanos foram sócios do baixo clero.

Como sempre, todos procuram argumentar que têm razão nessa tragédia e utilizam o lustro das regras para justificar o impediment­o ou denunciá-lo como golpe.

A crise econômica —resultado de muitos erros de política econômica— foi agravada pela vendeta e desaguou, qual pororoca, em uma das duas maiores perdas da renda por habitante dos últimos 120 anos. Estamos diante de um buraco fiscal imenso que demandará ajuste —queda de gasto e aumento de receita— de 6 pontos percentuai­s do PIB, o equivalent­e a criar 5 novas CPMFs.

O primeiro passo para o ajuste fiscal foi dado com a PEC do gasto. O segundo e, certamente o mais importante, é a reforma da Previdênci­a. O governo apresentou um projeto bem menos ambicioso do que o do início do ano. ICEBERG Não há técnico dos dois lados da vendeta que apresente problemas relevantes na atual proposta. O PT se opõe à reforma da Previdênci­a apesar dos seus intelectua­is, como Nelson Barbosa e Celso de Barros, além de Marina Silva, a reconhecer­em como necessária. O Titanic navega célere em direção ao iceberg.

A aprovação da minirrefor­ma da Previdênci­a é um passo importante para evitar a retomada da crise, como ocorreu em 2015.

A bola está com o Congresso. Seremos todos naufragado­s por um novo round que combina vendeta com populismo?

Os cabeças pretas bloqueiam o projeto em meio à surpreende­nte defesa das corporaçõe­s de servidores públicos que, como mostra o recente relatório do Banco Mundial, têm remuneraçã­o 67% maior do que os empregados do setor privado com a mesma qualificaç­ão.

A vendeta parece culminar em uma nota patética. Os jovens do PSDB lembram o PT dos anos 1990 e jogam para a plateia. Irresponsa­velmente, se pretendem defensores do bem comum ao manter o navio em rumo ao iceberg.

O resultado pode ser uma grave crise nos próximos meses. Quem mesmo vai ser eleito em 2018?

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Mateus Bonomi/Folhapress Plenário da Câmara dos Deputados, que poderá votar medidas como a reforma da Previdênci­a

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