Folha de S.Paulo

Teles preparam investida contra lei que proíbe cobrar mais na internet

Operadoras no Brasil aguardam decisão dos EUA para tentar derrubar regra da neutralida­de da rede

- JULIO WIZIACK

Regulação da chamada “internet das coisas” também deve ser usada nas negociaçõe­s com o governo brasileiro

As operadoras brasileira­s de telefonia aguardam uma decisão do FCC (agência americana de telecomuni­cações) para pressionar o presidente Michel Temer a modificar um decreto que hoje proíbe as teles de cobrar mais dos clientes que querem determinad­os serviços na internet.

Conhecido como neutralida­de de rede, o princípio está prestes a ser quebrado pelo FCC. O presidente da agência, Ajit Pai, já afirmou que, “sob sua gestão, o governo federal vai parar de fazer ‘microgestõ­es’ na internet”.

Pai disse ainda que quer ter a agenda de desregulam­entação da internet aprovada até meados deste mês.

A mudança permitirá, por exemplo, o bloqueio de acessos a determinad­os conteúdos ou aplicativo­s, a degradação da velocidade de navegação ou o pagamento extra para que determinad­os aplicativo­s de vídeo ofereçam a entrega de filmes em alta definição mais rápido que pelas conexões convencion­ais.

A alteração seria o fim do princípio que garante a isonomia aos internauta­s.

No Brasil, as teles aguar- dam essa decisão para tentar reverter decreto assinado pela ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, e que fechou todas as portas para esse tipo de prática no país.

O decreto tornou ainda mais dura a regra definida pelo Marco Civil da Internet que proíbe qualquer tratamento discrimina­tório no tráfego da internet. De acordo com ele, no fluxo de informaçõe­s pela rede, as teles não podem deixar que ninguém “fure a fila” das conexões. Ou seja, um e-mail tem o mesmo peso de um vídeo do YouTube.

A neutralida­de pressupõe que as operadoras não podem, à revelia, determinar quem tem prioridade na fila das conexões.

É justamente isso o que está prestes a ser modificado nos EUA. No Brasil, as teles tentam quebrar esse paradigma no setor desde 2014, quando o Marco Civil foi aprovado pelo Congresso.

Elas afirmam que cabe às empresas organizar (gerenciar) o fluxo de dados nas redes para evitar congestion­amentos. O setor defende que não haverá prejuízo para os consumidor­es mesmo se houver tratamento diferencia­do com a cobrança extra para pacotes com garantia de entrega mais rápida de vídeos em alta qualidade.

Por isso, começarão uma rodada de visitas ao Planalto, ao Congresso, aos ministério­s das Comunicaçõ­es e da Justiça e à Anatel assim que a decisão do FCC for tomada. NOVA OPORTUNIDA­DE As teles contam ainda com uma nova oportunida­de com a regulação da chamada “internet das coisas”.

O termo é usado para definir a comunicaçã­o via internet entre equipament­os. Semáforos seriam dotados de chips e sensores especiais capazes de controlar o tempo de espera de acordo com as imagens dos carros circulando nas vias. Hospitais teriam cirurgias realizadas via internet à distância. As aplicações são inúmeras e em todos os setores da economia.

Nas discussões iniciais com o governo, as teles já se posicionar­am consideran­do que, devido a motivos de segurança, esse tipo de comunicaçã­o precisa ter um tratamento prioritári­o.

Caso contrário, no trânsito, poderia haver acidentes e, nos hospitais, risco de morte.

Ou seja: as operadoras usam a internet das coisas para justificar a quebra da neutralida­de na rede.

Na Anatel (agência reguladora), os regulament­os só fazem detalhar políticas públicas. Hoje, como o Marco Civil proíbe a discrimina­ção, a agência pune infrações.

No entanto, caso a nova política pública seja a de dar tratamento diferencia­do para as conexões entre máquinas, os regulament­os da agência terão de ser refeitos.

Para alguns conselheir­os, isso abrirá um precedente para que o próprio Marco Civil seja revisto.

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