Brasileiro não tem memória
PENSEI QUE não houvesse nada mais chato do que pessoas que pegam o resultado do sorteio dos grupos da Copa do Mundo, como o desta sexta-feira (1º), em Moscou, e passam horas dedicadas a suposições de como aquilo vai progredir até a grande final.
Estava enganada. Que aborrecimento perceber que mesmo depois do fiasco de 2014, depois de ter passado boa parte desses mais de três anos com um futebol insuficiente, de ter corrido risco de ter ficado fora do Mundial da Rússia, o futebol brasileiro ainda é tratado com cega reverência por parte dos torcedores e da imprensa esportiva.
Brasileiro não tem memória mesmo. Se a gente não lembra nem em quem vota, imagine outros assuntos.
Deu preguiça ver o desdém com que o jogo de abertura da Copa, entre o anfitrião e a Arábia Saudita, foi recebido. Sim, são os piores times classificados no ranking da Fifa. A Rússia talvez nem estivesse entre os 32 classificados não fosse sede do torneio. O adversário volta a participar da competição após 12 anos.
Os dois sempre tiveram desempenho fraco, choramingam os especialistas. Outro argumento é de que as Copas do Mundo, quase sempre, têm times tradicionais em seus jogos de abertura. E daí?
O discurso da globalização e sem fronteira acaba na vírgula em que apontamos a elite do futebol como se fazia no século passado. Pior, não conseguimos encarar que a Copa se transformou num evento que pretende reunir os melhores do mundo, mas também é de celebração e, para a maioria, puro entretenimento.
Cada vez mais, todos os 32 times entram com as mesmas chances e qualquer um deles pode ser campeão. Ainda assim, há dezenas de artigos analisando se há ou não um “grupo da morte”.
A superioridade com a qual tratamos os nossos primeiros adversários é muito jeca. Incrível que se fale em favoritismo do Brasil de qualquer forma. O grupo é fraco até que tomamos o primeiro gol. Ou que damos adeus ao campeonato. E um dia isso vai acontecer.
Nem o fato de a “tradicionalíssima” Itália ter ficado fora parece ter servido de lição de que o futebol mudou, de que não há favorito quando a bola começa a rolar. É só observar que não há na história recente uma Copa que não tenha tido azarões que atropelaram os preferidos da torcida e da imprensa especializada.
Quem diria que a Costa Rica superaria três campeões mundiais (Itália, Inglaterra e Uruguai) e avançaria até às quartas na Copa-2014? A mesma Costa Rica que o Brasil enfrentará no próximo ano. Vai vendo.
É fácil perceber que o futebol brasileiro não perde interesse e audiência apenas porque há coisas mais importantes e interessantes no mundo atual, mas porque as pessoas estão de saco na lua com o ufanismo com o qual a seleção brasileira e nosso maravilhoso futebol ainda são tratados.
A superioridade com a qual tratamos nossos primeiros adversários na Copa da Rússia é muito jeca
Tenho ressalvas ao cidadão Edson Arantes do Nascimento, mas ainda estou tentando lidar com a imagem de Pelé ao entrar numa cadeira de rodas no Kremlin. Foi chamado de rei e ovacionado por 6.000 pessoas. Melhor do que Maradona, que teve que lidar com a ironia de Gary Lineker.
No momento em que fazia o sorteio de um dos grupos, o argentino ouviu do inglês que “sempre foi bom com as mãos”.