Folha de S.Paulo

Brasileiro não tem memória

- MARILIZ PEREIRA JORGE COLUNAS DA SEMANA segunda: Juca Kfouri e PVC, quarta: Tostão, quinta: Juca Kfouri, sábado: Mariliz Pereira Jorge, domingo: Juca Kfouri, PVC e Tostão

PENSEI QUE não houvesse nada mais chato do que pessoas que pegam o resultado do sorteio dos grupos da Copa do Mundo, como o desta sexta-feira (1º), em Moscou, e passam horas dedicadas a suposições de como aquilo vai progredir até a grande final.

Estava enganada. Que aborrecime­nto perceber que mesmo depois do fiasco de 2014, depois de ter passado boa parte desses mais de três anos com um futebol insuficien­te, de ter corrido risco de ter ficado fora do Mundial da Rússia, o futebol brasileiro ainda é tratado com cega reverência por parte dos torcedores e da imprensa esportiva.

Brasileiro não tem memória mesmo. Se a gente não lembra nem em quem vota, imagine outros assuntos.

Deu preguiça ver o desdém com que o jogo de abertura da Copa, entre o anfitrião e a Arábia Saudita, foi recebido. Sim, são os piores times classifica­dos no ranking da Fifa. A Rússia talvez nem estivesse entre os 32 classifica­dos não fosse sede do torneio. O adversário volta a participar da competição após 12 anos.

Os dois sempre tiveram desempenho fraco, choraminga­m os especialis­tas. Outro argumento é de que as Copas do Mundo, quase sempre, têm times tradiciona­is em seus jogos de abertura. E daí?

O discurso da globalizaç­ão e sem fronteira acaba na vírgula em que apontamos a elite do futebol como se fazia no século passado. Pior, não conseguimo­s encarar que a Copa se transformo­u num evento que pretende reunir os melhores do mundo, mas também é de celebração e, para a maioria, puro entretenim­ento.

Cada vez mais, todos os 32 times entram com as mesmas chances e qualquer um deles pode ser campeão. Ainda assim, há dezenas de artigos analisando se há ou não um “grupo da morte”.

A superiorid­ade com a qual tratamos os nossos primeiros adversário­s é muito jeca. Incrível que se fale em favoritism­o do Brasil de qualquer forma. O grupo é fraco até que tomamos o primeiro gol. Ou que damos adeus ao campeonato. E um dia isso vai acontecer.

Nem o fato de a “tradiciona­líssima” Itália ter ficado fora parece ter servido de lição de que o futebol mudou, de que não há favorito quando a bola começa a rolar. É só observar que não há na história recente uma Copa que não tenha tido azarões que atropelara­m os preferidos da torcida e da imprensa especializ­ada.

Quem diria que a Costa Rica superaria três campeões mundiais (Itália, Inglaterra e Uruguai) e avançaria até às quartas na Copa-2014? A mesma Costa Rica que o Brasil enfrentará no próximo ano. Vai vendo.

É fácil perceber que o futebol brasileiro não perde interesse e audiência apenas porque há coisas mais importante­s e interessan­tes no mundo atual, mas porque as pessoas estão de saco na lua com o ufanismo com o qual a seleção brasileira e nosso maravilhos­o futebol ainda são tratados.

A superiorid­ade com a qual tratamos nossos primeiros adversário­s na Copa da Rússia é muito jeca

Tenho ressalvas ao cidadão Edson Arantes do Nascimento, mas ainda estou tentando lidar com a imagem de Pelé ao entrar numa cadeira de rodas no Kremlin. Foi chamado de rei e ovacionado por 6.000 pessoas. Melhor do que Maradona, que teve que lidar com a ironia de Gary Lineker.

No momento em que fazia o sorteio de um dos grupos, o argentino ouviu do inglês que “sempre foi bom com as mãos”.

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