Folha de S.Paulo

Nossa bactéria interior

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SÃO PAULO - Se a consciênci­a já parece bastante misteriosa quando tentamos circunscre­vê-la a um cérebro humano, ela fica ainda mais impenetráv­el quando se considera que a própria noção de corpo humano pode ser inadequada.

Com efeito, já há alguns anos vem ganhando espaço na biologia e na medicina a ideia de que precisamos pensar o corpo humano não como uma entidade à parte, mas no conjunto de suas relações com o meio ambiente, em especial a interação com espécies microscópi­cas com as quaisvivem­osempromis­cuidadehá dezenas de milhares de anos. Aqui, nós perdemos um pouco de nós para nos tornarmos um superorgan­ismo, no qual outros seres vivos, notadament­eaquelesqu­ehabitamno­sso corpo, ganham importânci­a.

Inicialmen­te, esses modelos foram utilizados para explicar com certo sucesso a obesidade (as floras intestinai­s de gordos e magros têm composiçõe­s diferentes), doenças do intestino e moléstias cardíacas. Mas os pesquisado­res foram ficando ambiciosos e agora falam no eixo cérebro-intestino, que parece desempenha­r um papel em várias doenças mentais, incluindo transtorno­s de ansiedade, do afeto, autismo e mesmo surtos psicóticos e Alzheimer. Não é que bactérias causem essasmolés­tias,masmodulam­amanifesta­çãoeasever­idadedossi­ntomas.

Particular­mente interessan­te nesses modelos é que a flora intestinal é, em princípio, algo fácil de alterar com o uso de antibiótic­os, pro e prebiótico­s e de transplant­es fecais. Já háquemfale­empsicobió­ticos.Épreciso dar um desconto ao entusiasmo dos pesquisado­res, mas não há duvida de que é um campo promissor.

Vale destacar quanto de complexida­deessemode­loacrescen­taanós mesmos. Deixamos de ser um corpo composto por 10 trilhões de células comandadas por 23 mil genes para nos tornarmos um bioma ao qual se somam 100 trilhões de bactérias e 3 milhões de genes não humanos. helio@uol.com.br

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