Folha de S.Paulo

Travessia

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Será traumático corrigir os caros equívocos das políticas setoriais da última década. Apenas o subsídio concedido nos empréstimo­s do BNDES entre 2009 e 2014 custou mais de R$ 320 bilhões. Não deveria surpreende­r. Fracasso similar ocorreu nos governos JK e Geisel. Ambos também adotaram medidas de incentivo à produção local que resultaram em longos anos de crise e muitas empresas incapazes de concorrer com a produção externa.

O nacional desenvolvi­mentismo acredita que produzir localmente é preferível à importação. O nosso atraso decorreria de duas causas principais. Em primeiro lugar, empresas estrangeir­as remeteriam lucros extraordin­ários às suas matrizes. Em segundo, o comércio internacio­nal nos seria desfavoráv­el. Exportávam­os matérias primas, como café e açúcar, cujos preços tenderiam a diminuir em comparação com os bens industriai­s. Superar o atraso passaria pela restrição à remessa de lucros e por produzir aqui tudo o que fosse possível.

Essas conjectura­s estavam erradas. A Light exemplific­a a empresa estrangeir­a denunciada por seus supostas tarifas e lucros excessivos em meados do século 20. Marcelo Jourdan, porém, analisou os seus balanços e mostrou que as tarifas e lucros foram abaixo do mínimo esperado.

Os preços dos bens primários não tiveram uma tendência à queda no século passado. Os preços dos bens industriai­s para produção, por outro lado, caíram cerca de 3% ao ano desde 1945. Há mais. O principal fluxo de comércio nunca foi entre os países ricos e pobres, mas sim entre ricos e ricos. Como apontou Krugman, a especializ­ação em algumas atividades resulta em maior produtivid­ade. Os países desenvolvi­dos vendem para o exterior parte do que cada um faz melhor e, com esses recursos, importam o que não produzem, principalm­ente dos demais desenvolvi­dos.

Poderíamos ter nos especializ­ado em alguns setores da indústria e da agricultur­a. Ao tentar fazer quase tudo, condenamo-nos a ser um país mais pobre do que o necessário. Muitas empresas se revelaram inviáveis, acabou o dinheiro para subsidiá-las e várias medidas, como o Inovar Auto, violam acordos internacio­nais, enquanto outras prejudicam a produtivid­ade, como o Finame. Entretanto, recursos e empregos foram alocados a essas atividades. Tarefa dura: administra­r a transição das políticas equivocada­s minimizand­o o custo social e preservand­o a credibilid­ade de um país que muda as regras com a ligeireza que revela a nossa incompetên­cia.

JK e Geisel tiveram sorte. Não havia reeleição na época, e a culpa sobrou para o sucessor. Caso contrário, teriam entrado para a história com a mesma reputação de Dilma Rousseff na economia.

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