Folha de S.Paulo

Na ruína do Rio, muita gente tirou sua casquinha, exerceu sua demofobia e, na hora da conta, culpa os políticos

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Depois de ter se transforma­do no símbolo de um Rio do futuro, Sérgio Cabral virou o ícone da sua ruína. O Magnífico Cabral era uma empulhação. Cabral, o Flagelo dos Céus, é outra.

O moço é ladrão e mofará na cadeia, mas uma só pessoa não produz tanta desgraça. Cabral foi reeleito com dois terços dos votos. Quando ele propôs erguer um muro para segregar uma favela, a única voz que se ergueu contra a maluquice foi a do escritor português José Saramago.

O Magnífico, como os diamantes de sua mulher, tinha muitas facetas. Em alguns casos, refletiam ilusões; em outros, também demofobia e, às vezes, luziam interesses sociais ou mesmo pecuniário­s.

O Rio de Janeiro é uma cidade onde seis em cada dez imóveis cadastrado­s não pagavam IPTU (nada a ver com favelas). Isso tem um preço. Na semana passada soube-se que os pacientes do hospital Rocha Faria jejuavam. Trata-se de um dos grandes hospitais públicos da cidade. Para um Estado arruinado, seria apenas mais uma desgraça.

Em janeiro de 2016, o Rocha Faria ganhou fama porque se descobriu que mantinha um ambulatóri­o exclusivo para o atendiment­o de seus mil servidores estatutári­os. A choldra e os 1.300 terceiriza­dos não podiam entrar nessa ala VIP. O ambulatóri­o tinha 57 funcionári­os, entre eles 27 médicos, inclusive três obstetras e três cirurgiões.

Denunciada a maluquice, o privilégio foi defendido pela Associação do Sindicato dos Médicos. As guildas dos serviços públicos de saúde vestem o manto dos defensores dos fracos e dos oprimidos, contra o capitalism­o selvagem da medicina privada, mas no Rocha Faria, seus associados dispunham de um hospital só para eles e nenhum comissário reclamou. Nenhum. O silêncio não foi coisa do Cabral. À época anunciou-se que seria aberta uma sindicânci­a. Revelou-se que pelo menos outros dois hospitais tinham mordomias semelhante­s. Nada. Agora os pacientes do Rocha Maia estão sem comida.

Em uma cidade onde mais da metade dos imóveis não paga IPTU e servidores de hospitais públicos têm ambulatóri­os privativos, alguma coisa daria errado. Deu, e essa ruína foi construída com a ajuda de muita gente boa. Falta um adesivo na paisagem do Rio: “Eu fui Cabral”.

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