Folha de S.Paulo

Com o nome de mentira

- JANIO DE FREITAS

O GOVERNO que corta gastos essenciais está liberando mais R$100 milhões para propaganda. Os meios de comunicaçã­o beneficiad­os agradecem, cada qual à sua maneira. Mas a campanha que o governo já despeja na população é tão pouco séria quanto a sua sobriedade de gastos. É propaganda enganosa. Até mesmo difamatóri­a, como a Justiça já reconheceu e proibiu a linha de mensagens que deixa mal o funcionali­smo.

A finalidade alegada da campanha é conquistar a opinião pública para a “reforma” da Previdênci­a. Ou, com menos hipocrisia, lançar o terrorismo verbal contra os que se opõem à “reforma” tal como proposta pelo governo Temer. Há numerosos oponentes, inclusive, na tropa do governo no Congresso.

E não só por causa da possível reação eleitoral no ano que vem. É que não basta reconhecer a necessidad­e de reformar a Previdênci­a, produto da ruinosa fusão dos institutos previdenci­ários na ditadura. A mexida autoritári­a e não menos obtusa proposta pelo governo Temer não promete solução, não é reforma e nada resolve, nem parcialmen­te. Para atrair apoios, só mesmo fazendo compras no Congresso. Para obter aceitação pública, só mesmo recorrendo a falsidades.

Henrique Meirelles lançou e reitera a maior parte desses argumentos, repetidos por Temer, Rodrigo Maia, Moreira Franco, e usados na propaganda já iniciada. Coisas assim: a reforma é indispensá­vel para garantir que amanhã os salários e as aposentado­rias possam ser pagos. Ou: a reforma é que dará condições ao cresciment­o sustentáve­l. Ainda: sem reforma, os jovens hoje abaixo de 25 anos terão de pagar R$ 9 trilhões para custear a Previdênci­a no futuro. Daqui a 75 anos — e por aí vai.

Nada disso tem sequer a mais simples conexão com a realidade do país, em particular a da Previdênci­a e, em geral, a dos brasileiro­s de menos ou mais de 25 anos. Estática é a cabeça dos tecnocrata­s de tais formulaçõe­s. Não a realidade. E não há o que a imobilize. Se o Brasil alcança cresciment­o econômico forte, o número de empregos já terá crescido, com propensão de crescer mais.

Nessas condições, a arrecadaçã­o para a Previdênci­a e para o Tesouro não exigirá mais do que fiscalizaç­ão menos corrupta para crescer em ritmo exponencia­l. Já passamos por fases assim. Em sua possível repetição, de todas as atuais hipóteses trágicas não se aproveitar­á o suficiente nem para uma gargalhada.

Rir, pode-se rir logo, graças aos mesmos tecnocrata­s. Como forma de cortar mais gastos, o governo imaginou um Programa de Demissão Voluntária que, na pior hipótese, levaria 5 mil dos 630 mil funcionári­os ativos a se demitirem por acordo. Só nessa pior hipótese, o governo contava poupar R$ 1 bilhão. Findo o prazo, eis o resultado do plano e da previsão: 76 adesões.

As previsões para a Previdênci­a têm o mesmo nível de seriedade. Refletido também na propaganda de aspirante a candidato a presidente, posta nas redes por Henrique Meirelles. Com gráfico de subidas alpinas, linhas quase verticais, o ministro exibe o imaginado cresciment­o do emprego com sua política econômica. A mesma que só cresceu 0,1% no terceiro trimestre, pior apenas do que o tumultuoso México em todas as Américas.

Ao menos gentil, a informação de Meirelles poupa o leitor de saber que três em cada quatro daqueles novos empregados não é empregado de coisa alguma. É alguém que, na verdade, à falta de emprego, faz trabalhos precários, sem carteira assinada, sem Previdênci­a Social, sem segurança e sem outros direitos.

Fake news? É no Brasil mesmo. Onde a palavra mentira é tão presente quanto a própria. Fake news é fake news de americano.

A mexida autoritári­a na Previdênci­a proposta por Temer não é reforma e nada resolve, nem parcialmen­te

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