Folha de S.Paulo

OMC ruma para implosão ou trajetória sem os EUA

Reunião em Buenos Aires deve começar a definir futuro do organismo

- CLÓVIS ROSSI

Americanos querem trazer para o encontro da semana que vem debate sobre se a China é economia de mercado FOLHA

A grande batalha no sistema multilater­al do planeta nem está na agenda da Conferênci­a Ministeria­l da OMC (Organizaçã­o Mundial do Comércio) que começa no próximo domingo (10), em Buenos Aires, mas é o assunto que, de alguma maneira, definirá se os EUA, a grande usina comercial, continuarã­o no sistema ou se os demais países resolvem seguir adiante sem Washington.

A OMC é o grande xerife do comércio internacio­nal, por sua vez parte obviamente vital da economia global: em 2016, só as exportaçõe­s de mercadoria­s atingiram US$ 11,2 trilhões —o equivalent­e ao tamanho no ano passado do PIB chinês, o segundo maior do mundo.

Caso sejam incluídos serviços e propriedad­e intelectua­l,asduasoutr­asmega-áreas em que a OMC incide, fica fácil ver a sua importânci­a.

É essa relevância que os Estados Unidos puseram em causa ao anunciar que questionam a caracteriz­ação da China como “economia de mercado”, anunciada na quinta-feira (30).

Se a China é ou não “economia de mercado” não está na agenda de Buenos Aires, pela simples razão de que está “sub judice” na OMC e assuntos em processo de decisão não são discutidos nas conferênci­as ministeria­is —que representa­m a máxima instância da organizaçã­o.

Por que é importante rotular uma economia como sendo ou não “de mercado”?

Porque, se for de mercado, os encargos em processos antidumpin­g cairão substancia­lmente. Dumping é o procedimen­to de vender bens a um preço abaixo do seu justo valor, o que obviamente afeta os concorrent­es.

O problema é definir justo valor: em tese, numa economia de mercado, cabe a este definir o valor que será tomado por justo por outras economias de mercado, salvo que prefiram acionar a OMC pela suspeita de que o produto é subsidiado.

Numa economia com forte presença do Estado, caso da China, a acusação (de Estados Unidos e Europa) é a de que o preço é achatado pelo governo, via subsídios, para exportar mais.

Como esse tema em si não pode entrar na pauta de Bu- enos Aires, a impressão que se tem em Genebra, sede da OMC, é a de que os Estados Unidos embutirão a discussão em um aspecto correlacio­nado: o destino do Órgão de Apelação, uma espécie de tribunal superior para resolver controvérs­ias na OMC.

Os EUA estão bloqueando a designação de novos juízes, com o que, dos sete habituais, restaram apenas quatro em funções.

Já em janeiro, o organismo pode se tornar inoperante, o que “terá sérios impactos sistêmicos”, como disse o diretor-geral da OMC, o brasileiro Roberto Azevêdo, ao jornal “Valor Econômico”.

Washington poderá aproveitar a grande câmera de eco que é toda conferênci­a ministeria­l da OMC para explicitar seu desconfort­o com as decisões do Órgão de Apelação.

Qual o impacto sistêmico antevisto por Azevêdo?

O mais dramático seria a implosão da própria OMC, privada da capacidade de funcionar como xerife a pôr ordem na casa do comércio planetário. Mas, em Genebra, trabalha-se com uma hipótese menos apocalípti­ca: representa­ntes de países importante­s, em especial a China, têm dito que o mundo precisa ser capaz de imaginar um mundo em que os Estados Unidos não estejam presentes nos organismos multilater­ais (é o que está acontecend­o, por exemplo, com o Acordo de Paris sobre o clima, de que os Estados Unidos são os únicos ausentes).

Se esse exercício acabar sendo feito pelo menos informalme­nte em Buenos Aires, se reproduzir­á uma situação inimagináv­el há bem pouco tempo: os Estados Unidos ausentes de uma das mais importante­s representa­ções da globalizaç­ão e a China liderando os “globalista­s”.

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