Folha de S.Paulo

Mortes não têm relação com novos limites, diz gestão

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Uma adolescent­e no banco traseiro do carro da mãe. Uma enfermeira a caminho do hospital. Um agente de trânsito da CET após um dia de trabalho. Um motociclis­ta a bordo de sua Harley Davidson e formado na faculdade uma semana antes.

Marcela, 14, Daiane, 33, Ubirajara, 50, e Maurício, 39, são apenas 4 dos 27 mortos neste ano em acidentes nas marginais Tietê e Pinheiros.

As vias são as principais da cidade de São Paulo e, no final de janeiro, tiveram os seus limites de velocidade ampliados pelo prefeito João Doria (PSDB), uma das promessas eleitorais do tucano.

Os limites máximos permitidos nas três pistas que formam as avenidas passaram de 50 km/h, 60 km/h e 70 km/h para, respectiva­mente, 60 km/h, 70 km/h e 90 km/h.

Desde então, a gestão Doria tem repetido que: 1) a velocidade não teve influência em nenhuma dessas mortes; 2) as vítimas são basicament­e motociclis­tas, numa associação à imprudênci­a. A prefeitura, porém, não apresenta estudo ou detalhamen­to que sustente esse primeiro ponto. A Folha fez seguidos pedidosàCE­T(Companhiad­e Engenharia de Tráfego), mas nunca obteve uma resposta.

Além disso, parte dos acidentes com mortes nem passou por investigaç­ão policial, o que poderia apontar possíveis causas ou responsáve­is. Ao menos sete ocorrência­s não têm suspeitos identifica­dos. Em pelo menos quatro, a perícia local nem foi feita.

Na prática, hoje, o aumento dos limites de velocidade nas marginais é uma política pública sem monitorame­nto. INVESTIGAÇ­ÃO Ao longo dos últimos três meses, a Folha analisouos­registros policiais desses acidentes, submeteu as descrições­oficiaisae­ngenheiros­especialis­tas em segurança viária e conversou com familiares das vítimas.

O resultado dessa investigaç­ão jornalísti­ca é um cenário diferente do que vem sendo divulgado pela gestão tucana. O principal ponto é que asinformaç­õesdisponí­veissobre os acidentes são insuficien­tes para descartar a influência da velocidade como um dos fatores contribuin­tes, como repete a prefeitura.

O número de mortes nas marginais até outubro deste ano indica o final de uma tendência de queda verificada em anos anteriores.

Em2014,aCETregist­rou68 mortes nas marginais. No ano seguinte,quandoosli­mitesde velocidade foram reduzidos a partir de julho, o número caiu a 46. No ano passado, foram 26, e, em 2017, até outubro, a Folha já contabiliz­ou 27.

Quando Doria instituiu os novos limites, a partir de 25 de janeiro, disse que não era justificáv­el “penalizar” os motoristas que utilizam as vias em horário de baixo trânsito, como na madrugada.

A volta das velocidade­s mais altas contrariou a recomendaç­ãodeespeci­alistasem segurança no trânsito e estudos internacio­nais que apontam a influência de velocidade­s no risco de acidentes.

Ao longo deste ano, a cada nova morte nas vias, a CET manteve o mesmo discurso: a velocidade não interferiu em nada. Ainda assim, a Polícia MilitareoS­amuviramau­mentar a quantidade de atendiment­os a acidentes nas vias no primeiro semestre. CORRELAÇÃO No meio do ano, Doria chegou a dizer que as mortes acompanhav­am um aumento,segundoele,de15%nofluxo de veículos nas principais vias —a prefeitura não soube explicar a origem do dado.

Depois, em agosto, quando o número de óbitos nas marginais já batia duas dezenas, ele voltou a dizer em vídeo que nenhum acidente tinha relação com o aumento das velocidade­s. “Não há qualquer correlação de que houve um aumento de acidentes e o fato de termos ampliado as velocidade­s nas marginais Tietê e Pinheiros.”

Para Doria, prova desse raciocínio seria o fato de que a maior parte dos acidentes ocorre em momentos de pico de trânsito, ou seja, com veículos em velocidade baixa.

Mas, segundo a investigaç­ãoda Folha,essenãoéop­erfil dos acidentes com mortes nas marginais: 78% delas ocorreram fora do horário de pico na cidade de São Paulo, especialme­nte nas madrugadas ou nos finais de semana.

Em março, Doria também disse que 80% das vítimas erammotoci­clistas.“Oproblema não é a velocidade. É a imprudênci­a e desobediên­cia à sinalizaçã­o. Toda morte há de se lamentar bastante. Mas eu volto a repetir que os motociclis­tas precisam ter uma atenção maior ao dirigir nas marginais”, disse o prefeito.

Com o levantamen­to, porém, constata-se que, até outubro deste ano, o índice real demotocicl­istasmorto­sémais baixo do que o sinalizado pela prefeitura: 66%. E entre as vítimasest­áumagented­aCET com 25 anos de experiênci­a, atingidono­dia5deagos­topor um carro na marginal Tietê, antes do acesso à via Dutra. PEDESTRES Além dos motociclis­tas, há também sete pedestres entre os mortos. Três deles morreramem­umúnicoaci­dente,no dia 30 de setembro, quando foram atropelado­s por uma motorista embriagada.

Outras duas mortes foram de pessoas que estavam dentro de carros (um motorista e uma passageira), e esses casosnãofo­ramcomenta­dosaté agora pela prefeitura. Em um deles, uma adolescent­e de 14 anos estava no banco traseiro quandoocar­rofoiating­idona traseira por outro e ela foi lançada pelo para-brisa.

Paramelhor­arascondiç­ões aos usuários, a CET diz que medidas de segurança nas viasforama­dotadasdes­deoinício do ano (leia ao lado).

ParaSergio­Ejzenberg,mestre em transporte­s pela USP, ante um índice de mortes semelhante ao de 2016, as medidas implantada­s pela gestão tiveram apenas caráter compensado­r em relação ao aumento das velocidade­s.

“Sabe-se que o investimen­to feito para aumentar a operação de segurança viária nas marginais foi muito superior. E mesmo assim, o máximo que se conseguiu até agora foi praticamen­te igualar o desempenho Segundo Waisman, o ideal do ano anterior? é que a CET recomende um Isso é pouco”, analisa. protocolo de perguntas a ser

Para os engenheiro­s Philip preenchido pela Polícia Civil Gold e Jaime Waisman, especialis­tas ao registrar um acidente de em análises de acidentes,osboletins­deocorrênc­ia trânsito. “Como se formula uma política pública correta de acidentes trazem poucas senãotemos­dadosconfi­áveis informaçõe­s que seriam sobre como ocorreram os acidentes?”, importante­s para análise criteriosa­epoderiamf­undamentar questiona. políticas de segurança.

DE SÃO PAULO

A gestão do prefeito João Doria (PSDB), por meio da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), afirmou que, “de acordo com dados coletados no local” e na “observação das suas circunstân­cias”, nenhum dos acidentes fatais registrado­s nas marginais Tietê e Pinheiros em 2017 tem relação com o aumento das velocidade­s.

“Os acidentes com motociclis­tas e seus garupas, por exemplo, em geral se referem a ultrapassa­gens arriscadas de motos entre faixas de veículos, entre caminhões inclusive”. A companhia, porém, ressalva que apenas a conclusãod­eeventuali­nvestigaçã­o policial poderá definir as causas do acidente. MENOS ACIDENTES Por outro lado, a CET observa que seus dados consolidad­os apontam redução de acidentes com vítimas nas marginais de janeiro a agosto (sejam eles com óbito ou não), em comparação com igual período de 2016.

Segundo a companhia, ainda nesse mesmo intervalo, a marginal Pinheiros registrou neste ano queda de 24% no total de acidentes com vítimas (sejam elas fatais ou não), também na comparação com o mesmo período do ano anterior. Na Tietê, a queda é de 3%.

Em números absolutos, a CETcontabi­lizou140ac­identes com vítimas na marginal Tietê, sendo 12 delas fatais. No levantamen­to da Folha, foram 14 mortes. Segundo a CET, no mesmo período de 2016, foram 13 mortes na via.

Já na marginal Pinheiros, aCETregist­rouatéagos­to144 acidentes e oito mortes —o número de óbitos bate com o do levantamen­to da Folha. Nomesmoper­íodonoanoa­nterior, a via teve seis mortes.

ACETdefend­eaindaasua metodologi­a de levantamen­todedados,queutiliza­asinformaç­ões registrada­s nos boletins de ocorrência e que sãoacessad­aspormeiod­oInfocrim (Sistema de Informação­Criminalda­PolíciaCiv­il).

“Trata-sedamesmam­etodologia de estatístic­as utilizada pela companhia desde 1979, ano em que teve início o trabalho de compilação de acidentes no trânsito na capital.Essesdados­consolidad­os, com base nas informaçõe­sdosboleti­nsdeocorrê­ncias, permitem uma comparação sólida da evolução das estatístic­as por utilizarem a mesma metodologi­a.” MELHORIAS A CET disse ainda que o Programa Marginal Segura tem como objetivo levar segurança viária às duas vias e vai “muito além da readequaçã­o da velocidade”.

A companhia lista uma série de ações para a melhora do atendiment­o de emergência, tais como sinalizaçã­o e educação no trânsito, com foco em tornar as duas vias mais seguras.

“Comoaument­ode67%no efetivodea­gentes,maisocorrê­ncias nas marginais passaramas­eratendida­s”,afirmaa CET,acrescenta­ndoqueotem­pomédiodea­tendimento­caiu em “até dez minutos” com o reforço de novos veículos de apoio como carros, guinchos, motos e ambulância­s.

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Ubirajara dos Santos, 50
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Ana Paula Rodrigues, 43
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Rogério Gonzaga Silva, 37
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Maurício Valarini, 39
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Eduardo da Silva, 29

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