Folha de S.Paulo

Corpos pesam em retrato da velhice ‘Lamparina da Aurora’

- INÁCIO ARAUJO

FOLHA

Frederico Machado é um cineasta surpreende­nte por mais de um motivo. O primeiro é ter uma ligação com o cinema no Maranhão, sem nunca ter abandonado seu local de origem e procurado lugares onde seria mais fácil se afirmar cineasta.

Em São Luís mesmo, ele instalou e dirigiu uma bemsucedid­a distribuid­ora de DVDs, a Lume, que transformo­u tempos depois em uma produtora.

“Lamparina da Aurora” é seu terceiro filme, feito sempre com a mesma estrutura: um número restrito de técnicos e atores locais.

Quem, no entanto, esperar por um cinema precário pode se surpreende­r: é de outra natureza seu trabalho.

Dito isso, é preciso afirmar que “Lamparina” é, de seus filmes, o que menos me interessou. Machado prossegue na busca de um cinema “da alma”. Existe algo de Tarkóvski ali, entre outros cineastas essenciali­stas.

Por isso mesmo me agradam mais seus dois filmes anteriores, “O Exercício do Caos” e “O Signo das Tetas”.

No primeiro, em especial, o caráter místico é compensado pela presença da natureza, da água, dos corpos jovens. Havia algo de Matisse, talvez de um Gauguin que usasse cores suaves.

Talvez a comparação não faça sentido, o certo é que as imagens eram atraentes por nos levarem a um Maranhão a um tempo inédito (pelas imagens) e familiar (pela luz).

Em “Lamparina”, os corpos pesam. É como se o homem fosse o apêndice indesejáve­l (mais do que isso: insuportáv­el) da alma.

Como diz um dos poemas de seu pai (que serviram de inspiração ao filme), “sei que no alto uma Lua renasce sempre em Lu/ porém em mim o dia se apaga/ e desce à Terra na órbita dos meus olhos”).

Não é difícil reconhecer aí uma condenação da existência que o poema encaminha mais para o setor dos “vencidos da vida”, enquanto o filme dedica-se, de certa forma, à decomposiç­ão do corpo.

Estamos aqui quase sempre diante da velhice, não como estágio da vida, mas como uma espécie de condenação. Será este o “triste bronze” a que se refere outro momento do texto lido?

Sabe-se que este é um filme dedicado por Frederico ao pai. Uma espécie de dívida familiar a resgatar. Está feito.

A vantagem é que se pode esperar o próximo longa com alma mais leve: mais Sousândrad­e e menos Urais, mais “I-Juca Pirama” e menos “Cáucaso”. DIREÇÃO Frederico Machado ELENCO Antonio Saboia, Buda Lira, Vera Leite PRODUÇÃO Brasil CLASSIFICA­ÇÃO 14 anos AVALIAÇÃO regular

 ??  ?? A atriz Eili Harboe como a protagonis­ta de “Thelma”; registro distanciad­o e frieza de tons marcam longa norueguês
A atriz Eili Harboe como a protagonis­ta de “Thelma”; registro distanciad­o e frieza de tons marcam longa norueguês

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil