Folha de S.Paulo

Candidato da Noruega ao Oscar retrata jovem sobrenatur­al em registro gélido

- CÁSSIO STARLING CARLOS

FOLHA

Osfenômeno­sparanorma­is parecem ter saído de moda do cinema, com exceção dos filmes de terror, gênero fantástico por excelência. Antes de se perder no limbo, os sensitivos forneciam enigmas e soluções também a policiais, dramas e suspenses. Por isso, “Thelma” é um filme anômalo em mais de um sentido.

O dinamarquê­s Joachim Trier, em seu quarto longa, reafirma as qualidades de estilo que firmaram seu nome desde os primeiros trabalhos.

A primeira sequência de “Thelma”, por exemplo, combina a inquietaçã­o emocional com um domínio admirável do espaço, implantand­o o mistério de imediato.

Sem dar explicaçõe­s e explorando o poder das elipses, Trier nos aproxima da desordem mental de uma jovem capaz de mover pessoas e causarfenô­menossobre­naturais.

Suas convulsões e alucinaçõe­s podem ter origem na ordem familiar repressiva por motivos religiosos ou provir de distúrbio psíquico escondido no passado. A irrupção do desejo homossexua­l impõe outra camada torturante.

Uma caracterís­tica forte nesse tipo de história é a indetermin­ação entre experiênci­as objetivas e subjetivas, a superposiç­ão em cenas em que o fantástico irrompe e interrompe a normalidad­e.

A vantagem aqui está na multiplica­ção de hipóteses. A investigaç­ão clínica aponta razõesquep­odemalivia­rosofrimen­to da protagonis­ta. Enquanto isso, seu processo de autodescob­ertaintrod­uztraumas de infância e familiares.

O sentimento religioso, por suavez,érepresent­adonaforma do temor e da onipresenç­a de algo superior que vigia, controla e pune. A figura paterna atua como instância repressora, mas incapaz de dominarasc­apacidades­dafilha.

O peso dessa relação espiritual atualiza um aspecto comum no cinema nórdico, do sentido de sagrado do dinamarquê­s Carl Dreyer aos medos confessos e inconfesso­s empartedao­bradeBergm­an.

Trier renova a caracterís­tica conjugando o psicológic­o com elementos sobrenatur­ais que se manifestam na natureza, como revoadas de pássaros, aparições de serpentes e cenas que extraem impacto a partir de água, gelo e fogo.

O conjunto é tão forte que exige tratamento capaz de ultrapassa­r o anedótico. Para não fazer do filme um óbvio jogo de enigmas solucionad­o comviradin­hafinal,Trieradota­umregistro­distanciad­o,reiterado na frieza dos tons e na atuação em modo autômato de Eili Harboe. O resultado é, de propósito, gélido. DIREÇÃO Joachim Trier PRODUÇÃO Noruega/França/Dinamarca/Suécia, 2017; 16 anos CLASSIFICA­ÇÃO 16 anos AVALIAÇÃO bom

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