Como funciona a lógica perversa do presidencialismo de coalizão.
DISTORÇÕES Na superfície, o presidencialismodecoalizãoàbrasileira é fácil de entender. O presidente da República lida com um Congresso ultrafragmentado. Para se manter no cargo e conseguir governar,eleéobrigadoaformaruma aliança integrada por partidos diversos. Até aqui, nada de novo: na Europa, coligações dessa natureza são a regra e funcionam bem.
No Brasil, porém, a dinâmica da coalizão não segue a lógica parlamentarista europeia. Aqui, os congressistas não formam o governo escolhendo o primeiro-ministro; eles convivem com um presidente forte ungido pelo voto popular. Isso faz toda a diferença: se no parlamentarismo os membros do Legislativo são corresponsáveis pelo êxito do governo, no presidencialismo a sobrevivência política do congressista está dissociada do sucesso de quem governa.
Ou seja, deputados e senadores brasileiros não se empenham em implementar a agenda majoritária que sufraga o presidente. Em vez disso, dedicam-se, acima de tudo, a responder às demandas de sua base eleitoral local, sem preocupação específica com a produção de bem-estar para a maioria.
Os Estados Unidos vivem problema similar. Lá, entretanto, congressistas são obrigados a conciliar as demandas de sua base local com as prioridades da agenda nacional das agremiações a que pertencem. Isso ocorre porque o sistema eleitoral gera partidos fortes, e o sistema de primárias mantém as oligarquias partidárias em xeque. Nada disso acontece no Brasil.
Aqui, a combinação de presidencialismo, eleições proporcionais e regras permissivas de financiamento de campanha dificulta a construção de partidos com programas claros (com a rara exceção de PT, PSDB e poucos nanicos) e uma conexão com o eleitor que possa formar a base de um sistema eficiente de responsabilização.
Quando o deputado brasileiro é próximo do eleitor, esse laço não decorre de uma plataforma de governo ou da credibilidade construída ao longo de anos. O vínculo apoia-se, em primeiro lugar, no clientelismo, a troca condicional de votoporacessoarecursospúblicos, umfenômenocomumnosrincõese nas periferias das grandes cidades.
Assim,ocongressistanãosepreocupa com a qualidade da saúde da população em geral; a ele basta conseguir um leito hospitalar para oapaniguadoquedelenecessita.O vereador não liga para a qualidade da educação; para ele, é suficiente batalhar por uma vaga na creche para o filho de um apoiador fiel.
Os legisladores no Brasil apoiam-se ainda em outros instrumentos que também distorcem o regime democrático e tendem a gerar má governança. Um exemplo é a troca entre parlamentares e grandes conglomerados, onde uns oferecem licitações fraudadas e outros proveem recursos ilícitos para financiar campanhas. ATRASO O custo desse sistema é imenso, e sua lógica condena o país ao atraso. Não é difícil ver por que isso acontece.
No presidencialismo de coalizão, o chefe do Executivo usa dinheiro do contribuinte para custear as benesses que o parlamentar leva a sua clientela local e a seus financiadoresdecampanha.Édessa forma que o presidente mantém a sua aliança legislativa.
O titular do Palácio do Planalto, quem quer que seja, é obrigado a operar dessa forma. Ele libera emendas e rifa cargos para que os partidos aliados possam negociar licitações com grupos empresariais. Ele distribui subsídios do BNDES. Vende leis que favorecem financiadores de sua base. Tira a força das agências reguladoras quando elas começam a incomodar a elite empresarial.
Nesse sistema, a corrupção não é exceção, mas regra. É a atividade ilícitaquegeraasrendasnecessárias para dar sustentação a quem governaeoutorgarprivilégiosaquem estápróximodopoder.Nessemundo, tirar uma lasquinha pessoal é só uma questão de oportunidade.
O problema não para por aí. Como o presidente precisa proteger esquemas de corrupção endêmica, é no Palácio do Planalto que se arma a arapuca para influenciar a cúpula do Judiciário e limitar os danos provocados pelas instituições de controle cada vez que uma roubalheira é denunciada.
O presidente estende aos congressistas o seu manto de proteção, nomeando gente de confiança para órgãos como Supremo Tribunal Federal, Tribunal de Contas da União e Tribunal Superior Eleitoral. Em tese responsáveis por limitar o poder do Executivo, essas instituições controlam pouco e controlam mal. Dentro delas próprias proliferam casos de tráfico de influência e corrupção.
Nãoàtoa,nesses30anosdeNova República, nossos mandatários alopraram com o uso ilegal de recursos para custear apartamentos, CUSTOS Quem ganha com isso? Cartéis de empreiteiras que fraudam concorrências, sindicalistas que cobram pedágio para suspendergreveselobbiescomoodosseguros de saúde, que oferecem um serviço ruim a peso de ouro e ainda repassam seus prejuízos à viúva.
O presidencialismo de coalizão se tornou um império dos grupos deinteresse:juízesbempagosrecebem auxílio-moradia, alunos ricos estudam em universidades públicas gratuitas e grandes conglomerados têm as dívidas custeadas pelo contribuinte. O sistema viciado transfererendadebaixoparacima.
Temos uma sociedade rendida. Apesar de viver numa das maiores economias do planeta, metade de nossos cidadãos não possui acesso asaneamentobásico.OEstadogastaasburrascomeducação,masmilhões de brasileiros são analfabetos funcionais. Mesmo com investimentos bilionários no SUS, eleitores morrem na fila do hospital, como se este fosse um país pobre.
A má governança nas políticas públicas é resultado direto do regime do presidencialismo de coalizão inauguradopelaNovaRepública.O custodessesistemaéalto.Nãobasta o presidente distribuir emendas parlamentares e cargos públicos para selar o apoio da base aliada, como argumenta Carlos Pereira em “Vocês não gostam de mim, mas o Congresso gosta” (“Ilustríssima”, 29/10). Esse raciocínio, defendido por parte da ciência política brasileira, ignora a montanha de gastos indiretos embutidos nessa forma viciada de conduzir o país.
O presidencialismo de coalizão também é um desastre para a economia. Como o jogo político favorece grupos de interesse enquistados no Estado, quem tem força tira proveito do erário em benefício próprio. O resultado é uma “sociedade da meia-entrada”, na expressão insuperável de Zeina Latif e Marcos Lisboa.
Assim, esse sistema sacrifica o crescimento econômico porque demanda um Estado inchado que, entregando muitos recursos para poucos privilegiados, mal contribui para o aumento da produtividade e da riqueza nacional.
Esse Estado precisa aumentar a carga tributária a todo momento, mas, como não há dinheiro que dê conta das demandas, também emite dívida pública, flerta com o populismo fiscal e asfixia o investimento. Na Nova República, o Brasil gastou a rodo sem com isso vencer o subdesenvolvimento.
Esse tipo de presidencialismo aindapôsoBrasilnocentrodeuma redetransnacionaldecrimeorganizado. Como as máfias no poder superfaturamcontratospúblicospara