Folha de S.Paulo

Moda busca ideias e matérias-primas nas comunidade­s locais

Empresária faz ponte entre mercado e artesãs da etnia wai wai; seringueir­os fornecem borracha a marca de tênis

-

FOLHA

Artesãs natas, as índias da etnia wai wai que vivem na região de Oriximiná, no Pará, produzem peças misturando crochê e sementes de morototó, árvore nativa da América do Sul presente nas paisagens amazônicas.

Cada única peça pode utilizar até mil sementes, o que requergran­dehabilida­demanual das mulheres da tribo.

Numa das viagens à região, a empresária e consultora de moda Chiara Gadaleta se encantou com o artesanato e enxergou nas peças potencial de geração de renda.

Conhecida como grande produtora de castanha-dopará, a população indígena e ribeirinha de Oriximiná sofre com a falta de alternativ­as econômicas nos períodos de baixa da safra do fruto.

Entusiasta dos trabalhos manuais, Gadaleta iniciou com as mulheres da etnia o projeto Kaapu, que contempla oficinas de crochê, conceitos de design e busca de canais de comerciali­zação.

Em nove meses desde o início do projeto, Gadaleta fechou duas parcerias para a venda do trabalho. Uma é com a loja multimarca­s de moda Mix, de Curitiba, que comerciali­zou vestidos com bordados de morototó produzidos pelas índias. A outra é com a Artefacto, de produtos para casa. A coleção deve chegar às lojas até o fim do ano, com mantas, colchas e outras peças bordadas com as sementes amazônicas.

O artesanato wai wai estará em destaque no portal Ecoera (portalecoe­ra.com.br), recém-lançado e que reúne produtos e serviços de moda, beleza e design com atributos de sustentabi­lidade. A ideia da plataforma, além de divulgar conteúdo, é possibilit­ar um “marketplac­e” para aproximar produtores espalhados pelo país dos consumidor­es.

“É possível usar o design para fazer a diferença. Milhares de mulheres alimentam a família com trabalho manual. Temos que valorizar esse artesanato”, diz Gadaleta. SÓ O COMEÇO Ainda é incipiente o número de marcas que se inspiram na floresta para criar coleções ou buscar materiais sustentáve­is. A opinião é de François-Ghislain Morillion, fundador da marca franco-brasileira Vert, que produz tênis com matérias-primas sustentáve­is, como o algodão orgânico do semiárido cearense e borracha natural do Acre.

“A floresta tem um potencial de inspiração enorme, mas as marcas brasileira­s olham mais para o ‘lifestyle’ europeu”, diz Morillion, que fez o caminho inverso —a marca que criou é dependente do que a floresta produz.

A borracha usada para fazer o solado dos calçados da Vert é fornecida por três associaçõe­s extrativis­tas que reúnem 40 seringueir­os no Acre, um projeto em parceria com o governo do Estado e a ONG ambientali­sta WWF.

A empresa produz 400 mil pares por ano e estabelece­u um programa de refloresta­mento com os extrativis­tas, para tentar evitar o avanço da pecuária na região.

Com valores entre R$ 200 e R$ 500 o par, os tênis da marca podem vir em outros materiais, como couro de tilápia. Os modelos são produzidos no polo calçadista de Novo Hamburgo (RS).

O uso desses materiais tem ônus: o custo de produção de um calçado da marca é sete vezes maior que um similar produzido na China.

“Como nosso modelo de produção é diferente do das grandes marcas, não temos verba para publicidad­e”, diz Morillion. O marketing é feito por meio de redes sociais, exposições e parcerias com estilistas. (ANDREA VIALLI)

 ??  ?? A empresária Chiara Gadaleta usa colar feitos com sementes de morototó, em São Paulo
A empresária Chiara Gadaleta usa colar feitos com sementes de morototó, em São Paulo

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil