Folha de S.Paulo

O retorno diplomátic­o do Egito

- JAIME SPITZCOVSK­Y COLUNISTAS DA SEMANA quinta: Clóvis Rossi, domingo: Clóvis Rossi, segunda: Mathias Alencastro

TRADICIONA­L EPICENTRO político do mundo árabe, o Egito promove ofensiva diplomátic­a, a fim de recuperar peso perdido sobretudo entre 2014 e 2016, quando o presidente Abdel Fattah al-Sisi priorizou agenda doméstica, fortalecim­ento do regime e repressão a oposicioni­stas. Regime fortalecid­o e demandas regionais levam agora o Cairo a recuperar protagonis­mo no Oriente Médio.

Nos últimos meses, o Egito patrocinou a aproximaçã­o entre grupos palestinos rivais, participou de diálogos na turbulênci­a política do Líbano, costurou entendimen­tos para desaquecer a guerra da Síria e anunciou acordo militar com a Rússia. Intensific­ou aproximaçã­o com aliados tradiciona­is, como Arábia Saudita, na crise com o Qatar, e com Israel, para enfrentar a ameaça do grupo terrorista Estado Islâmico na península do Sinai.

Tradição histórica, peso demográfic­o e musculatur­a militar, entre outros fatores, contribuír­am para o Egito exercer ao longo do século 20 liderança no mundo árabe. Do Cairo, entre 1956 e 1970, o presidente Gamal Abdel Nasser inflamava multidões com discursos esculpidos pelo pan-arabismo, ideologia voltada a unificar países da região, e abria portas para a influência soviética.

Anuar Sadat, sucessor de Nasser, abandonou a retórica pan-arabista, e, guiado pelo pragmatism­o, arquivou ideias de destruir Israel e assinou acordo de paz com o antigo adversário, em 1978. Ao mesmo tempo, o Cairo trocava Moscou por Washington como principal fornecedor de ajuda militar e financeira.

A guinada do Egito em plena Guerra Fria resultou em isolamento diplomátic­o imposto por vizinhos árabes. Após o assassinat­o de Anuar Sadat em 1981, por fundamenta­listas egípcios, chegou ao poder outro militar, Hosni Mubarak, responsáve­l por diluir o boicote e recuperar liderança entre países do Oriente Médio.

A Primavera Árabe, em 2011, afastou Mubarak. Eleições levaram ao poder Mohammed Mursi, do grupo Irmandade Muçulmana e arqui-inimigo da cúpula militar egípcia. Um golpe de Estado, em 2013, derrubou o governo, e o Egito retornava ao padrão clássico da hegemonia das Forças Armadas.

Abdel Fattah al-Sisi, nas eleições presidenci­ais de 2014, amealhou 96% dos votos. Deve buscar novo mandato no próximo ano.

Fortalecid­o no plano doméstico, apesar de desafios como o terrorismo, Sisi passou a investir na recuperaçã­o da influência egípcia no Oriente Médio.

O Egito costurou recentemen­te tréguas entre governo e rebeldes na Síria, após receber sinal verde de russos e sauditas, forças prepondera­ntes no conflito sírio.

A ofensiva mais ambiciosa do Cairo, no entanto, se refere à questão palestina.

A capital egípcia serviu de palco para assinatura de acordo de aproximaçã­o entre os rivais Fatah e Hamas, numa iniciativa a patinar em sua implementa­ção.

Em contraste com as ações incendiári­as de Nasser, Sisi se posiciona como articulado­r. Dialoga com Donald Trump e Vladimir Putin, com israelense­s e palestinos, com Bashar al-Assad e os rebeldes. Trata-se de papel relevante numa região pródiga em turbulênci­as.

O presidente al-Sisi dialoga com Trump e Putin, com israelense­s e palestinos, com Assad e os rebeldes

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