Folha de S.Paulo

Galpões doados a Doria viram abrigos VIP de morador de rua

Centros de acolhiment­o, em sua maioria, são imóveis emprestado­s e reformados pelo setor privado

- MARIANA ZYLBERKAN GUILHERME SETO

Segundo o prefeito, o projeto já tirou das ruas de SP 2.500 pessoas e oferece cama, banho, refeições e cursos

Em dois meses, Alessandra de Assis, 33, conseguiu reunir, entre doações e compras feitas com o que ganha na reciclagem de latinhas, ao menos três sacolas de roupas, coleção de bichinhos de pelúcia, um liquidific­ador e um aparelho de DVD.

Os pertences são tantos que quase cobrem sua cama no CTA (Centro Temporário de Acolhiment­o) na Vila Mariana, onde mora desde que deixou as ruas. Ela, porém, não abre mão de nada. “Era impensável juntar tudo isso enquanto era sem-teto”, diz.

A cama de Alessandra fica em um galpão transforma­do em quarto onde dormem outras 19 mulheres em beliches enfileirad­os. Elas são responsáve­is pela limpeza do local, mas as roupas de cama são enviadas para a lavanderia uma vez por semana, e as refeições diárias são servidas em esquema de buffet.

A configuraç­ão se repete nos outros dez abrigos temporário­s com 12 mil vagas de acolhiment­o inaugurado­s pela gestão do prefeito João Doria (PSDB) desde o início do ano. Na maioria, são imóveis ociosos que foram emprestado­s para a prefeitura pela iniciativa privada.

Há casos em que a prefeitura paga aluguel e, em outros, a própria administra­ção cede imóveis para serem transforma­dos em abrigos, como uma UBS (Unidade Básica de Saúde) que foi desativada e ganhou beliches na região do Anhangabaú.

A ordem é fazer as reformas em tempo recorde, e o prefeito chegou a anunciar a inauguraçã­o de ao menos um espaço por mês. A iniciativa privada banca todas as obras de readequaçã­o e também equipa os espaços com beliches, computador­es, fogões, máquinas de lavar e secar e roupas de cama. ADAPTAÇÃO Na Vila Mariana, com 120 vagas, os dois quartos, um masculino e um feminino, ficam no subsolo de um prédio onde já funcionava um projeto social ligado a uma igreja. Em outro endereço, na Barra Funda, as salas que antes pertenciam à fundação de uma empresa de telefonia deram lugar a 290 vagas de acolhiment­o. Nos capachos em frente aos quartos, ainda está o logotipo da companhia.

Segundo Doria, o projeto já tirou das ruas quase 2.500 pessoas. Até o fim de fevereiro, o prefeito prevê a inaugu- ração de mais dez endereços.

“Nossa ideia era estarmos com 18 [CTAs] prontos até o final deste ano, mas, em função de estarmos fazendo um amplo para famílias, vamos fazer com mais calma.”

Além de oferecer cama, banho e refeições, os centros de acolhida têm papel fundamenta­l em outro programa municipal, o Trabalho Novo, que busca recolocar os semteto no mercado de trabalho por meio de vagas oferecidas por empresas em parceria com a prefeitura. Somente quem está abrigado pode fazer o curso de capacitaçã­o, pré-requisito para concorrer aos empregos que pagam, em média, um salário mínimo.

Assistente­s sociais avaliam os abrigados a cada três meses e definem quanto tempo mais poderão ficar. Eles são incentivad­os a conseguir um emprego e alugar moradia própria. “É uma resposta positiva que a Prefeitura de São Paulo dá ao flagelo do desemprego e ao flagelo das ruas”, disse o prefeito, ao inaugurar o décimo CTA, no Bom Retiro, nesta segunda (4).

Nos espaços, os frequentad­ores também têm à disposição canis, lugar para estacionar as carroças e acesso a aulas de informátic­a em que têm a chance, por exemplo, de elaborar seus currículos.

No CTA Brás, porém, os monitores perceberam que, antes de aprender a mexer no computador, os abrigados precisavam aprender a ler e escrever. As oficinas de informátic­a, então, deram lugar a aulas de alfabetiza­ção.

“Percebemos que a demanda era ainda mais primária”, diz o gerente do abrigo, Marcos Bezerra de Queiroz. INAUGURAÇíO Como fez em cada endereço inaugurado, Doria seguiu o mesmo script nesta segunda: visitou cada ambiente do centro de acolhida, deu palpites e, durante discurso, agradeceu aos parceiros da iniciativa privada que ajudaram com doações. No fim, ele descerrou a placa de inauguraçã­o ao som do tema da vitória do piloto Ayrton Senna.

Para manter os atendiment­os nos centros de acolhida sem dinheiro em caixa para novos investimen­tos, a prefeitura recebeu nesta ano repasse de R$ 14 milhões do governo estadual. Para o próximo ano, os gastos vão estar incluídos no orçamento da Secretaria de Assistênci­a e Desenvolvi­mento Social.

“Estamos fazendo o que há de mais moderno em assistênci­a social”, disse o secretário Filipe Sabará. Segundo ele, a Prefeitura de Paris inaugurou recentemen­te um centro de acolhida nos mesmos moldes para receber os refugiados que chegam ao país.

Os espaços são gerenciado­s por entidades que já operam convênios em outros equipament­os de assistênci­a social da prefeitura.

DE SÃO PAULO

Após manter seus quatro vereadores na base do prefeito João Doria (PSDB) ao longo do ano, o PRB decidiu romper com o governo tucano e seus representa­ntes não precisarão mais apoiar os projetos do Executivo em votações na Câmara Municipal.

A decisão do PRB foi tomada após Doria exonerar funcionári­os da prefeitura indicados pelo vereador Souza Santos (PRB).

Na leitura do Executivo, ele vinha dificultan­do a aprovação da privatizaç­ão do complexo do Anhembi no Legislativ­o. A retaliação foi mal recebida pelas lideranças do partido, que então decidiram pela ruptura.

“É muito simples: a forma como o governo tratou o PRB na condução do assunto foi deselegant­e, desrespeit­osa e radical. Na política, não se faz dessa forma. Na calada da noite, tomamos conhecimen­to via imprensa que o governo faria exoneraçõe­s ligadas ao vereador Souza Santos, o que atingiu o PRB como um todo”, afirma Aildo Rodrigues, presidente municipal do PRB.

O número de vereadores do PRB (4) está atrás apenas de PSDB (11), PT (9) e DEM (5) em termos de representa­tividade na Câmara. Com a baixa, Doria passa a ter 40 parlamenta­res em sua base.

Para conseguir a aprovação de um projeto de lei, ele precisa de 28 votos favoráveis. O último projeto que contava com interesses do Executivo, que liberava empréstimo­s de até R$ 1,4 bilhão e a cobrança de impostos sobre serviços de streaming (como o Netflix), foi aprovado com 31 votos.

No entanto, há projetos da prefeitura que envolvem possíveis alterações no Plano Diretor e que precisarão de 37 votos para serem aprovados na Câmara. É o caso do projeto da Operação Urbana Jurubatuba, do qual depende a privatizaç­ão do autódromo de Interlagos.

Rodrigues afirma que a prefeitura chegou a oferecer a devolução dos cargos, mas que o PRB recusou.

“Tivemos conversa longa com o Bruno Covas [viceprefei­to e atual encarregad­o das relações com os vereadores] e colocamos a nossa insatisfaç­ão. Ao final do dia, fomos informados de que o governo revogaria as exoneraçõe­s. Mas o estrago já havia sido feito e decidimos pela saída da base”, disse.

Procurado pela Folha, Covas disse que não vê as demissões como motivo do afastament­o entre as partes.

“Não é verdade que o PRB decidiu romper com o governo municipal após as exoneraçõe­s. A postura da bancada na Câmara já era de quem havia rompido com o governo antes das demissões. Portanto, o governo não entende que perdeu apoio, pois não se perde aquilo que não se tem”, afirmou.

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Fotos Eduardo Anizelli/Folhapress Beliches doados pela iniciativa privada preenchem espaços que foram adaptados para se tornarem abrigos de sem-teto
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Alessandra de Assis mora há cerca de dois meses em centro de acolhida na Vila Mariana

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