Folha de S.Paulo

MINHA HISTÓRIA PAI POLICIAL

‘Agi muito por instinto, de sobrevivên­cia e paterno’, diz sargento da PM que, com filho de 5 meses no colo, matou dois assaltante­s em farmácia no interior de SP

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da calça. Se eu me rendesse, imaginei que ele ia me revistar, encontrar a minha arma e me executar. É o que acontece, o modus operandi do assaltante. A gente sempre ouve vários casos assim.

Se eu não reagisse, talvez morresse com meu filho no colo ou talvez ele fosse baleado. Pensei em deixar meu filho com minha esposa, enfiar o bebê numa prateleira, só que não dava tempo de nada. O assaltante estava vindo na minha direção. Na hora não dá para pensar tanto, agi muito por instinto, de sobrevivên­cia e paterno. Optei por reagir. GATILHO Saquei minha arma, levantei com o meu filho no colo, apontei para o assaltante e falei: “Meu, para, é polícia, é polícia”. Foi aí que ele efetuou os disparos. Vi que ele apertou o gatilho. Por sorte, por Deus, não sei, um pouco dos dois talvez, a arma dele não funcionou. Eu não podia esperar funcionar, então atirei.

Depois, na delegacia, soube que ele apertou o gatilho cinco vezes. A munição ficou marcada com cinco furinhos, toda picotada. Mas a arma e a munição eram velhas, por isso não disparou. Ainda bem.

Quando eu atirei, minha esposa abaixou, e o farmacêuti­co ficou na linha de tiro. Eu tentei proteger meu filho com o corpo, dando a minha lateral para o ladrão. Atirei cinco vezes nele, enquanto andava para trás. Ele caiu.

Percebi que, enquanto me afastava de um, me aproximei do outro, que estava perto da porta. Virei e vi que ele começou a correr. Parecia estar armado, mas não estava. Efetuei dois disparos, um pegou na parede e outro o atingiu. Ele saiu da farmácia correndo, mas morreu na rua.

Quando tudo acalmou, entreguei meu filho para minha esposa. Depois desarmei o assaltante dentro da farmácia e chamei a ambulância. Ele balbuciou alguma coisa, mas não deu para entender, porque já estava morrendo.

Nunca tinha matado alguém. Ninguém gosta de tirar a vida do outro, mas era eu ou ele. Se acontecess­e de novo, tomaria a mesma atitude. Tenho para mim que não fiz nenhuma maldade. O ladrão tentou roubar e teve azar. Eu defendi a minha família, as vítimas na farmácia e só. PSICÓLOGO A minha mulher ficou muito abalada. Outro dia fomos na pizzaria, ela lembrou e chorou de novo. Precisou passar pelo psicólogo e tomar remédios. O psicólogo disse que o bebê precisa ser acompanhad­o, porque já sente, mesmo tendo só cinco meses.

A minha família está apavorada. Como moro em uma cidade pequena e conheço muita gente, eles têm medo que eu seja identifica­do. Até o porteiro me perguntou: “Foi você, né?”. Fiquei atônito. Eu nunca falei para ninguém que era policial, e a minha esposa toma o cuidado de não pendurar a farda no varal.

Vou ter que vender o meu carro, porque a minha mãe está com medo que identifiqu­em o modelo pelos vídeos. A minha família sempre achou perigoso ser policial. Eu também andava de moto e sou paraquedis­ta, então a minha mãe, coitadinha, já tem os cabelos branquinho­s.

Mas não pretendo deixar a carreira de policial. Gosto muito do que faço. A população pode não achar isso, mas a gente ajuda muita gente, é gratifican­te. Eu morro de vontade de fazer um parto e já auxiliei muitos idosos na rua.

Chego em casa bem por ter feito esses serviços. Larguei a faculdade de química, no quarto ano, para ser policial. Também sou formado em direito e educação física. Quero continuar estudando para ser delegado ou tentar entrar para a Polícia Federal.

Com essa ocorrência, chegaram muitos e-mails, telefonema­s e cartas para o batalhão. Todos os policiais que passam no meu trabalho me perguntam como foi. Eu fico meio constrangi­do, não gosto dessa atenção. Espero que esse assunto acabe o quanto antes. Não acho que fui herói, fui pai policial só.

Eu ainda vou ter que responder em julgamento por isso. Não é nada legal. Policial é meio preparado para essas situações, mas ficar lembrando da arma apontada para o meu filho não é bom. A imagem ficou gravada na minha cabeça, foi a coisa mais forte.

Já estive em muito tiroteio, mas essa foi a pior coisa que eu vivi, porque estava com o meu filho. É o meu primeiro, a vida da gente muda, é amor incondicio­nal. Inclusive estou vendendo a minha moto, você quer comprar? Estou com medo de sofrer um acidente. Gosto muito de moto, mas quero estar aqui para ajudar o pequeninin­ho.

“minha arma, levantei com o meu filho no colo, apontei para o assaltante e falei: ‘para, é polícia’. Vi que ele apertou o gatilho. Por sorte, por Deus, um pouco dos dois talvez, a arma dele não funcionou. Eu não podia esperar funcionar, então atirei Ficar lembrando da arma apontada para o meu filho não é bom. A imagem ficou na minha cabeça

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Bruno Santos/Folhapress O sargento Rafael, 32, que está há 11 anos na PM

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