DE VOLTA À LUZ
Pontos altos do repertório do Duo Abreu são também os dois “Prelúdios” e “Fugas” extraídos do ciclo “Os Violões Bem Temperados”, do imaginativo compositor italiano Mario Castelnuovo-Tedesco (1895-1968), assim como a “Toccata” K.141 de Domenico Scarlatti (1685-1757).
Os apreciadores das componentes técnicas do instrumento encontrarão escalas rápidas com dedilhados improváveis, baixos estupendamente encorpados, acordes profundos e memoráveis seções de notas repetidas em velocidade.
A ampla gama de cores e gradações de dinâmica das interpretações têm origem nos instrumentos raros que os dois utilizam. A saber, um violão Hermann Hauser de 1930 e um Santos Hernández de 1920.
Os irmãos começaram a aprender violão muito jovens, inicialmente com o avô materno, depois com a argentina (então radicada no Rio de Janeiro) Monina Távora (19212011), professora de ampla cultura musical e humanística e discípula direta do espanhol Andrés Segovia (18931987), “o” nome central do violão clássico no século 20.
Anos depois ela daria aulas também para os irmãos Sergio e Odair, do Duo Assad.
Ao estrearem em Londres com cerca de 15 anos —após alguns anos de minuciosa preparação—, os Abreu foram imediatamente reconhecidos pela crítica como “o melhor duo de violões do mundo”.
Fizeram turnês que duravam meses, do Canadá à Austrália, passando (em plena Guerra Fria) pela União Soviética. Apresentaram-se nas principais salas de concerto do mundo, como Wigmore Hall, em Londres, e Concertgebouw, em Amsterdã.
No CD da BBC lançado pela GuitarCoop, podemos apreciar igualmente alguns solos dos dois, os quais eram entremeados às obras em duo em seus recitais ao vivo.
A exuberante técnica de Eduardo é colocada à serviço da “Sonatina Meridional”, de Manuel Ponce (1882-1948).
O irmão mais velho mantém-se no orbe barroco: toca a “Sonata” K.391 de Scarlatti, e faz uma versão tocante da “Passacaglia” em ré maior do alaudista alemão Sylvius Leopold Weiss (1687-1750), um amigo da família Bach.
Fecha o disco (em duo) a “Toccata” do austríaco Franz Burkhart (1902-78).
Hoje em dia, Sergio segue confeccionando instrumentos artesanais sob encomenda —a fila de espera é longa. Ele produz cerca de uma dezena de violões por ano.
Alheio à proximidade da famosa praia, trabalha nas madrugadas, em um apartamento-oficina em Copacabana. De Eduardo pouco se sabe, quase nada se fala. Este trocou a carreira de músico pela de engenheiro. O duo excursionou de 1968 a 1975.
Para quem convive há muito com essas gravações, é possível discernir no todo sonoro as características individuais dos dois irmãos.
Eduardo causa admiração pelo domínio extremo do movimento das formas musicais. Seu relaxamento é total, assim como o controle das gradações sutis que alteram tempos e intensidades.
Sergio adiciona introspecção à perfeição exuberante. Ele é a alma do duo: saboreia cada momento com a nostalgia do futuro, como se, a cada nota pulsada, sentisse o vazio tomar conta do lugar de onde se tira a beleza. (SIDNEY MOLINA) ARTISTAS Sergio e Eduardo Abreu SELO GuitarCoop QUANTO R$ 30 (CD) AVALIAÇÃO ótimo