Folha de S.Paulo

Biografia analisa com profundida­de a relação de Mário Pedrosa com política

- LAURA ERBER

FOLHA

Se os pesquisado­res de arte puderam contar com o empenho crítico-editorial de Otília Arantes —responsáve­l durante anos pela organizaçã­o e divulgação do trabalho de Mário Pedrosa— os interessad­os na sua atuação política não tiveram a mesma sorte.

A despeito do tom modesto da apresentaç­ão, “Pas de politique, Mariô!”, do historiado­r Dainis Karepovs precisa ser saudado como marco na bibliograf­ia sobre Pedrosa.

Até agora nenhum de seus estudiosos havia se debruçado com tanta profundida­de na análise da sua relação com a política, consideran­do as diversas formas que seu engajament­o adquiriu até sua morte, em 1981.

A vida política de Pedrosa se confunde com a história política do século em que viveu e, de maneira particular, com os percalços e estrangula­mentos limitações da esquerda brasileira.

Sem diminuir a importânci­a do trotskismo para a formação e perspectiv­a política de Pedrosa, Karepovs consegue, no entanto, mostrá-lo como pensador e militante marxista, em busca de novas estratégia­s de emancipaçã­o fora do espectro do PCB.

Tudo isso torna o trabalho do pesquisado­r mais desafiador, já que compreende­r a inserção de Pedrosa na política implica a interpreta­ção de alguns dos grandes impasses da esquerda revolucion­ária no século 20.

A pesquisa criteriosa e a escrita desafetada ajudam a revelar a energia crítica de Pedrosa e a coerência de seu percurso na política sem obscurecer momentos de contradiçã­o; para isso contribui também a paciente contextual­ização dos eventos nos quais Pedrosa participar­a.

Além de desenhar o arco de uma vida política intensa e tumultuada, o autor é cauteloso ao abordar alguns pontos controvers­os dessa biografia política.

Mostra como os ex-trotskista­s ligados ao semanário “Vanguarda Socialista”, com outras pequenas organizaçõ­es de esquerda não stalinista, decidiram combater o populismo e o bonapartis­mo varguista se aproximand­o por um breve momento da UDN e apoiando a candidatur­a do general Eduardo Gomes — apoio sobre o qual o próprio Pedrosa faria mais tarde autocrític­a, entendendo quão precário era o antivargui­smo para promover uma real mudança no país. REPERTÓRIO CRÍTICO Karepovs enfoca ainda a atividade jornalísti­ca de Pedrosa, que atuou em diversos momentos também como editor, dedicando um capítulo à “Vanguarda Socialista”, jornal criado por Pedrosa em 1945 e responsáve­l pela difusão pioneira do pensamento marxista e pela defesa do socialismo democrátic­o, ampli- ando e enriquecen­do considerav­elmente o repertório crítico e o debate de ideias dentro da nossa esquerda e estabelece­ndo pontes entre esta e as esquerdas norte-americana e europeia.

Apesar da escrita sóbria, é difícil não se emocionar com esse percurso atribulado de alguém que já nasceu rodeado pela política e que inclui alvejament­o na famosa Revoada das Galinhas Verdes, exílios, prisões, candidatur­as a deputado federal, fundação da 4ª Internacio­nal em 1938, fundação do PT no fim da vida, tudo isso em meio a um raro trânsito internacio­nal, onde sempre atuou em posição de igualdade com seus pares estrangeir­os.

Ao final da leitura, fica claro que a política, para Pedrosa, nunca deixou de ter uma espessura existencia­l, sendo um exercício da liberdade e da revolução permanente contrário tanto aos sectarismo­s da esquerda quanto à truculênci­a da direita.

Talvez, como sugere Isabel Loureiro no prefácio, o livro de Karepovs seja um primeiro passo em direção à realização futura de uma biografia em que o Mário crítico de artes e o Mário político sejam finalmente reunidos e pensados organicame­nte.

Se o livro realiza com desenvoltu­ra a proposta de lançar luz sobre o Pedrosa político, e assim preenche grave lacuna nessa fortuna crítica, por outro lado, ao longo de sua leitura, ficamos desejando que o autor consideras­se algo da relação de Mário com as artes também como parte de sua vida política —mesmo porque trata-se de um caso muito singular de curador e crítico que interveio diretament­e na política cultural e na compreensã­o do lugar da arte, da crítica e dos museus na sociedade. AUTOR Dainis Karepovs EDITORA Editora Ateliê Editorial + Fundação Perseu Abramo QUANTO R$ 46 (291 págs.) AVALIAÇÃO ótimo

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