Folha de S.Paulo

SEM PREFERÊNCI­A

Briga por causa de um lugar na fila em supermerca­do de SP termina em acusação de injúria racial após homem ser chamado de ‘negro periférico’

- MARIANA ZYLBERKAN

DE SÃO PAULO

Era próximo ao horário do jantar de segunda-feira (4) quando o bacharel em direito Alessandro Prata, 41, foi com sua mulher ao supermerca­do perto de casa comprar filés de peixe, entre outros itens.

Pelo caixa, só faltavam passar dois refrigeran­tes e uma lata de pêssego em calda, quando ele lembra ter sentido dois tapas no pescoço.

Era o aposentado Claudio Rodolfo Saltini Peschke, 69, exigindo que ele saísse da fila preferenci­al. “Escolhi aquela fila porque não tinha ninguém. O supermerca­do estava vazio”, diz Prata, que vai quase todos os dias ao local, no shopping Frei Caneca, região central de SP.

A discussão logo descambou para a agressão, e ele foi atingido pelo aposentado com um soco no rosto. Sua mulher, a esteticist­a Dayane Couto, 33, ficou no meio da confusão e sofreu um corte no braço ao tentar impedir que o marido fosse atingido pela lata de pêssego em calda, arremessad­a pelo agressor.

“Ele gritava: ‘Vocês são burros, não podem estar aqui’”, lembra Dayane.

Os ânimos ainda estavam exaltados quando o senhor gritou “seu negro periférico, vai embora daqui”, entre outros xingamento­s. O aposentado nega a injúria racial, mas admite a agressão.

“As caixas não avisam aos clientes que eles estão na fila errada. Ele me mandou tomar no cu, não aguentei e lhe dei um murro na cara. Infelizmen­te, eu perdi a cabeça”, disse o aposentado.

“Mas, de negro, eu não chamei mesmo, porque ele não é preto. Ele é pardo. Eu não sou racista. A minha companheir­a, com quem vivi oito anos, é negra. No fim de semana, estive na escola de samba Vai-Vai fotografan­do as mulatas”, diz. ELEVADOR Assim que ouviu a ofensa racial, o bancário Lucas Ferreira, 30, que estava atrás deles na fila, deixou suas compras e interveio para impedir que o idoso deixasse o supermerca­do antes de a polícia chegar. “Disse que aquilo era crime, racismo, e fiz questão de falar bem alto para outros clientes ouvirem.”

O agressor, depois de jogar no chão os itens do casal que ainda estavam na esteira, ainda pegou suas compras, foi direto para outro caixa e tentou ir embora pelo elevador, quando foi impedido por outros frequentad­ores do supermerca­do Master.

O bancário lembra que fez questão de não sair do lado do agressor até a chegada dos policiais. Segurou a porta do elevador e só conseguiu convencer o aposentado a espe-

ALESSANDRO PRATA, 41

vítima de injúria racial em supermerca­do no centro de SP rar quando apareceu um policial civil, que também fazia compras, e avisou que ele não poderia sair sem antes prestar depoimento na delegacia.

“O mundo em que esse senhor vive não existe mais. Nunca tinha presenciad­o algo do tipo. Ainda estou abalado, nem consegui dormir direito”, disse o bancário.

Como houve a agressão física, a ofensa racial quase passou despercebi­da, diz a esteticist­a, até o rapaz que apareceu para apartar a briga chamar atenção para isso.

“Eu dizia para meu marido: ‘Presta atenção, você foi vítima de injúria racial’. Acho que ele ficou tão abalado com a agressão que demorou para perceber o que estava acontecend­o”, diz Dayane. DELEGACIA Em dois carros de polícia diferentes, o casal e o aposentado foram levados à delegacia para serem ouvidos.

Antes de ser retirado do supermerca­do, de acordo com Prata, o homem explicou que sofre de um distúrbio que o impede de controlar ataques de raiva, toma remédios controlado­s e, por isso, nada iria acontecer a ele.

O aposentado confirma tomar

CLAUDI O SA LTIN IPE SCHKE, 69

aposentado e responsáve­l pelas agressões a Alessandro Prata remédios psiquiátri­cos de origem controlada. “Esse transtorno me incomoda, eu não consigo me controlar.”

O bacharel em direito, que trabalha como assessor parlamenta­r na Câmara Municipal, conta que só foi voltar para casa, na rua Bela Cintra, na madrugada. “Nunca tinha passado por nada parecido em toda minha vida”, diz.

Sua mulher lembra que ainda tentou cozinhar os filés de peixe, mas o cansaço a impediu. “Fiquei indignada. Não sabemos como reagir. Parece algo banal, mas não é”, diz a esteticist­a.

O caso foi registrado como injúria, e o inquérito policial irá investigar o caráter racial das agressões. O crime prevê pagamento de multa ou pena de 1 a 3 anos de prisão.

Nunca tinha passado por nada parecido em toda minha vida. Eu entendi que foi uma injúria racial. Fiz questão de registrar queixa. Muitas pessoas se ofereceram para ser testemunha “Sou

loiro e de olho azul, então, é fácil [ser acusado de racismo]. Hoje está uma mania de tudo, qualquer coisinha, ser racismo. Essa reivindica­ção dos negros é justa, mas está ficando uma mania

‘QUALQUER COISINHA’

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Marcelo Justo/Folhapress Alessandro Prata, 41, foi agredido em supermerca­do

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