Folha de S.Paulo

Nações ricas domaram alimentos mais cedo

‘Armas, Germes e Aço’, livro clássico de Jared Diamond lançado há 20 anos, sobrevive ao tempo e permanece relevante

- HELIO SCHWARTSMA­N

Críticos, porém, afirmam que a teoria do autor é determinis­ta e despreza o impacto do acaso na história FOLHA

A maior parte dos livros lançados passa quase despercebi­da; alguns provocam um deslumbram­ento momentâneo, mas logo caem no esquecimen­to; uma pequena minoria traz ideias que continuam sendo discutidas décadas depois de propostas.

Estes últimos são os candidatos a clássicos. “Armas, Germes e Aço”, ou AGA, de Jared Diamond, está nessa categoria. Vinte anos após seu lançamento, o best seller geográfico, que recebeu o prêmio Pulitzer, ainda causa polêmica.

A tese central de AGA é que as diferenças de riqueza e poder entre as nações têm como causa remota principal a produção de alimentos, mais especifica­mente o número de espécies vegetais e animais que os povos domesticar­am.

A agricultur­a, em que pese ter piorado a saúde dos primeiros grupos que a adotaram, permitiu que as populações se assentasse­m e multiplica­ssem.

Vieram, então, as cidades e os excedentes, com os quais foi possível sustentar reis, exércitos e trabalhado­res especializ­ados, que depois desembocar­am em tecnologia­s como a escrita, siderurgia etc.

Por caprichos do acaso, o continente eurasiano não só proporcion­ou a seus habitantes um número muito maior de plantas e bestas domesticáv­eis como ainda, por apresentar um eixo longitudin­al e relativame­nte poucas barreiras geográfica­s e ecológicas, facilitou enormement­e a difusão das novas culturas.

Nas Américas e na África o eixo predominan­te é latitudina­l e, como se sabe, o clima muda muito mais rapidament­e quando se viaja de norte para sul ou vice-versa do que de leste para oeste ou vice versa. Isso faz uma grande diferença quando se tenta levar um tipo de planta ou animal para outra região.

O convívio próximo de grandes populações humanas e animais é causa das doenças epidêmicas. Patógenos em constante mutação sempre acabam dando um jeito de saltar a barreira das espécies. IMUNIDADE Os eurasianos, por terem domesticad­o muito mais animais e antes dos habitantes de outros continente­s, foram os primeiros a sofrer com epidemias, mas também desenvolve­ram alguma imunidade contra várias dessas doenças.

Quando, milênios depois do desenvolvi­mento da agri- cultura, os europeus encontrara­m os povos de outros continente­s, eles tinham a seu favor exércitos organizado­s com arcabuzes, cavalos e espadas, além de germes assassinos contra os quais os nativos não tinham nenhuma resistênci­a. Foi um morticínio.

Diamond, que é uma espécie de polímata moderno, transitand­o com facilidade por campos tão diversos como biologia, medicina, geografia, história e linguístic­a, conta essas histórias com riqueza de detalhes e com argumentos convincent­es. Como ele também escreve muito bem, AGA é uma obra sedutora.

É claro, porém, que nem todo o mundo gostou. Os críticos de Diamond se agrupam em várias famílias distintas.

A acusação principal que pesa sobre a obra é a de determinis­mo. Ao conferir tanto peso a fatores biogeográf­icos, o autor diminui demais o espaço da ação humana e do papel das instituiçõ­es na história, se é que não acaba com eles. Se os lugares reservados a cada nação moderna Tecnologia (como armas, espadas ena vios)

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Reprodução Pintura retrata conquistad­or espanhol sobre cavalo em frente a incas; populações nativas das Américas sofreram com doenças trazidas por europeus

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