Folha de S.Paulo

CRÍTICA Onirismo felliniano não evita superficia­lidade

Nem citações a mestre italiano salvam longa do sul-africano Taron Lexton, lesado por estereótip­os e trama pueril

- ALEXANDRE AGABITI FERNANDEZ

FOLHA

Lucy (Ksenia Solo) tem 20 anos e muito medo da realidade. Superprote­gida pela mãe (Maria Bello), a garota nunca teve namorado e vive praticamen­te isolada em uma cidadezinh­a de Ohio, em um mundinho cor-de-rosa.

Seu pendor para a fantasia faz com que ela se encante pelo universo dos filmes de Federico Fellini (1920-1993) quando assiste —por acaso— a um deles, “A Estrada da Vida” (1954). Lucy se identifica imediatame­nte com a sonhadora Gelsomina, interpreta­da por Guilietta Masina.

Ela não demora a devorar a filmografi­a do mestre italiano, que se torna uma obsessão, e decide sair debaixo da asa materna para ir a Roma para conhecê-lo. Nessa aventura, a tímida, ansiosa e ingênua Lucy acaba descobrind­o a si mesma.

Inexperien­te em viagens, ela não consegue chegar a Roma a tempo e precisa agendar outra oportunida­de para encontrar o cineasta. Ela vaga por Verona —a cidade de Romeu e Julieta—, onde, é claro, descobre o amor.

Esse argumento no mínimo extravagan­te se baseia na experiênci­a pessoal de juventude da dubladora Nancy Cartwright (a voz de Bart Simpson), que assina o roteiro ao lado de Peter Kjenaas.

Ao levá-lo às telas em seu primeiro longa-metragem de ficção, o jovem sul-africano Taron Lexton se esbalda fazendo referência­s à atmosfera de fantasia dos filmes do premiado diretor italiano.

Lucy tem sonhos e pesadelos, visões do brutamonte­s Zampanò —de “A Estrada da Vida”— caminhando pelas ruas, tropeça em luxuriante­s orgias felliniana­s.

Lexton mantém a ambiguidad­e em torno dessas cenas, não deixa claro se fazem parte da realidade ou se são devaneios de Lucy.

O problema é que esse onirismo é uma constante. Requentado, acaba se transforma­ndo em um clichê.

Da mesma forma, a própria viagem iniciática de Lucy tem sua dose de lugares-comuns, como Verona e os rapazes italianos com ar de “latin lovers” sempre dispostos a ajudá-la e com quem a garota acaba se envolvendo.

O abuso de estereótip­os não consegue dissimular a superficia­lidade da história e o pouco desenvolvi­mento da personagem principal, demasiado pueril.

As inúmeras referência­s à obra de Fellini remetem ao amor pelo cinema, mas isso tampouco é transcende­nte.

Essas referência­s só funcionam bem quando o filme algumas vezes zomba da falta de sensibilid­ade artística do norte-americano médio, para quem os longa-metragens europeus não têm pé nem cabeça. (IN SEARCH OF FELLINI) DIREÇÃO Taron Lexton ELENCO Ksenia Solo, Maria Bello, Mary Lynn Rajskub, Beth Riesgraf PRODUÇÃO EUA, 2016, 14 anos QUANDO estreia nesta quinta (7) AVALIAÇÃO regular

 ?? Divulgação ?? A atriz Ksenia Solo, de ‘Em Busca de Fellini’; amor pelo cinema não gera transcendê­ncia
Divulgação A atriz Ksenia Solo, de ‘Em Busca de Fellini’; amor pelo cinema não gera transcendê­ncia

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil