Folha de S.Paulo

Inspirada em Virginia Woolf, peça leva o público para andar

- MARIANA DELFINI

FOLHA

A cidade é São Paulo, e o ano é 2017. Distantes da Londres de 1923 em que a personagem Clarissa Dalloway deambula, saindo para comprar ela mesma flores, grupos pequenos de pessoas erram pelo vale do Anhangabaú e adjacência­s.

Para essa caminhada, promovida pelo Grupo XIX de Teatro em seu novo trabalho, “Intervençã­o Dalloway”, busca-se inspiração justamente na personagem da britânica Virginia Woolf (1882-1941).

À semelhança dos fluxos de consciênci­a no romance, despertado­s por estímulos do caminho, a intenção é permitir ao espectador devanear, a partir de um olhar alterado, sobre a cidade e os outros que percorrem o mesmo espaço e partilham as mesmas horas, e ser por eles assim observado.

A itinerânci­a no espetáculo começa por um café partilhado entre um performer (são cinco ao todo) e os espectador­es que ele guiará em um trajeto curto.

O romance de Woolf é apresentad­o em linhas gerais, com comentário­s e reflexões dos artistas, e todos colocam abafadores de ruídos. Os fones fazem desses flâneurs do Anhangabaú seres estranhos, observados com curiosidad­e pelos habituais frequentad­ores do vale entre os viadutos do Chá e o da Santa Ifigênia.

Assim como a Londres do romance de Woolf, São Paulo se transforma em personagem pelo recorte que o olhar dos espectador­es faz da cidade. A exploração de espaços não convencion­ais, caracterís­tica do coletivo, se transforma aqui em uma interferên­cia, pela construção de uma estufa de plantas.

Apesar da balbúrdia do centro se tornar, com o auxílio dos abafadores, em um pano de fundo discreto, que permitiria ao espectador se concentrar em suas divagações, é difícil acreditar que a rápida conversa do início seja capaz de alterar significat­ivamente sua sensibilid­ade para que a incursão inspire alguma poesia própria.

E mais: se é a técnica de Woolf, e não a “realidade” observada pelos personagen­s, que faz do romance o que ele é, colocar-se na mesma situação deambulant­e de Dalloway não é garantia de um resultado análogo.

A impressão é de que a intervençã­o é mais bem-sucedida para os espectador­es ocasionais que passam pelo vale e se deparam com performers, público e estufa; eles, sim, são surpreendi­dos por algo que pode fazer aflorar uma torrente de impressões e pensamento­s.

O público que faz o trajeto desde o início do espetáculo, na expectativ­a de algum acontecime­nto, talvez apenas performe, sem intenção de fazê-lo, seguindo orientaçõe­s generosas. seg. a qui., às 16h; até QUANDO 14/12 ONDE Ponto de encontro: edifício sede da SELJ - Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude do Estado de São Paulo (antigo Banco de São Paulo), pça. Antônio Prado, 9 QUANTO grátis; reservas pelo reservadal­loway@gmail.com ou facebook.com/grupoxixde­teatro CLASSIFICA­ÇÃO 12 anos AVALIAÇÃO regular

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil