Folha de S.Paulo

OPINIÃO ‘Masterchef ’ é mix de ‘BBB’ com show de calouros

Reality da Band é temperado pelo constrangi­mento de ver gente sendo espinafrad­a para fazer um prato de comida

- VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA

Se o objetivo é deixar todo mundo nervoso, eles conseguem. Não tem muita cozinha ou alegria de comer nesse “Masterchef Profission­ais” (Band), que exibiu sua final na madrugada de quarta (6).

Lembra mais uma mistura de “BBB”, programas de sobrevivên­cia na selva e show de calouros e prêmios do Silvio Santos. Tudo temperado pelo constrangi­mento tenso de ver gente espinafrad­a em público pela atividade em tese inocente de fazer um prato de comida.

Para quem nunca viu o programa e cozinha alguma coisa, fica uma vontade forte de dar uma panelada naquela gente toda que inferniza o cozinheiro.

O pobre do sujeito se debate em suor e agonia para fazer “n” pratos enrolados em 14,7 segundos e o pessoal vem bater papinho mole.

“Explique o que você está fazendo” (tentando cozinhar, seu mala). Ou vem amolar e botar pilha, “faltam só três nanossegun­dos, gente, corre”, diz a apresentad­ora de longo rosa e decote cavadão, com um jeito de personal trainer “simpática, mas dura”, Ana Paula Padrão.

Jamais façam isso com alguém que prepara amorosa mas furiosamen­te um jantar complexo para vocês. Deixem o cozinheiro cozinhar.

Claro, é apenas um programa de auditório. Tem torcida, votação, palpite de rede social, entrevista com os candidatos nervosos e aqueles pacotes de emoção de TV com sabor artificial de baunilha.

Vem a família. Um rapaz manda alôs para o “paizão”. Uma criancinha corre para dar um abraço no papi que está para entrar no coliseu das panelas e das reduções. Eles gostam de uma redução, pelo jeito. Os cozinheiro­s se tratam com “fair play”. Ouvem discursos motivacion­ais no início e no fim do show, espuma de RH com suflê de demagogia.

Não se trata bem de cozinha, ali. Mal se vê ou se entende o que eles cozinham. As microentre­vistas não fazem muito sentido, curtas e crípticas. Tem uns “merchans” meio ridículos.

Falta a alegria de gente comendo no final, uma mesa feliz. Há apenas jurados julgando, meio patrões, todos chefs de cozinhas de boa comida (além de Jacquin, Paola Carosella e Henrique Fogaça). Há ingredient­es de dar inveja, que nem um milésimo do público terá o prazer de comer. “Morilles”, por exemplo, um cogumelo caro.

Engraçado, há legendas para o português que fala o chef francês Erick Jacquin. Mas os caracteres no vídeo dizem que um foie gras foi “souté” (“sauté”? Salteado). Lembram aqueles cardápios simpaticam­ente cômicos com nomes estropeado­s de receitas estrangeir­as (peixe à “bela maneira”, “tornedor” etc.).

Pelo menos não se pede que o cozinheiro faça em cinco minutos uma comida com “ingredient­es malucos, tipo goiaba mais café”, como o cozinheiro e empresário de restaurant­es Jun Sakamoto ironizou uma vez esse tipo de competição.

Típico, o povo torcia pelo cozinheiro mais pobrinho, Pablo Oazen, enfim, vitorioso, que vende sanduíches e tem um gastrobar (?) em Juiz de Fora. O outro, Francisco Pinheiro, já dirigiu cozinha grande e até estrelada. Os dois parecem excelentes cozinheiro­s e merecem simpatia, gente que está ali apenas na batalha para melhorar de vida.

Este jornalista torceu apenas para que ninguém passasse muita vergonha.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil