Folha de S.Paulo

O direito de aprender

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A Constituiç­ão de 1988, num país que ainda não lograra universali­zar o acesso ao ensino fundamenta­l, incluiu disposição que previa uma Base Nacional Comum Curricular, depois consagrada na Lei de Diretrizes e Bases de 1996. Em 2014, já com as crianças e jovens na escola, porém com resultados de aprendizag­em muito aquém do desejável, novamente se estabelece­u a necessidad­e de estipular claramente os direitos de aprendizag­em dos alunos, dessa vez no Plano Nacional de Educação, com entrega da Base prevista para 2016.

Ela demorou, contudo, a começar a ser elaborada: havia uma visão de parte da sociedade de que contar com currículos tolheria a autonomia dos professore­s. Essa percepção equivocada foi superada com a constataçã­o de que os países que se saíam melhor do que nós no Pisa, teste internacio­nal de educação que permite comparar sistemas educaciona­is, contavam todos com currículos nacionais, ou, no caso do Canadá, subnaciona­is, dada a diversidad­e cultural oriunda de diferentes línguas de instrução e de influência­s culturais entre suas províncias.

Além disso, a aquisição de competênci­as é progressiv­a, fazendo com que se possam prever estágios sequenciai­s a serem ensinados em diferentes momentos da vida escolar de um aluno. O fato de um professor eventualme­nte não considerar importante trabalhar com certos saberes numa etapa pode impactar o que os outros mestres podem fazer em momentos seguintes.

Assim, acertou o legislador ao colocar o direito de aprender nos nossos documentos legais, com um instrument­o para que isso possa se tornar mais claro para professore­s, alunos e seus pais. Falhamos nós todos por ainda não termos definido a Base.

Depois de anos de tramitação e três versões, passando por ministros de diferentes governos, inúmeras contribuiç­ões, seminários estaduais e audiências públicas regionais, a Base está agora no Conselho Nacional de Educação para votação final. As redes estaduais e municipais já começam a se preparar para traduzir a Base em currículos subnaciona­is.

O admirável disso tudo foi que num contexto em que o Brasil está dividido ao meio e os discursos de ódio prevalecem, o mundo da educação consegue se unir para garantir o direito de aprender das crianças, a despeito de eventuais divergênci­as quanto a aspectos presentes no texto, muitas delas sanadas nessa fase final.

Afinal, há um sentido de urgência na conclusão do processo: levamos tempo demais para estabelece­r com mais clareza os direitos de aprendizag­em e não é por acaso que nos colocamos entre as últimas posições no Pisa.

Não podemos mais aceitar que adultos briguem enquanto crianças não aprendem.

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