Folha de S.Paulo

Tensão amazônica

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Por décadas, a caótica regulariza­ção fundiária da Amazônia Legal tem originado conflitos, muitos deles sangrentos. Apesar do diagnóstic­o conhecido e da urgência que o assunto demanda, o balanço deste 2017 é de retrocesso.

A disputa pela terra provocou dois massacres neste ano. Em abril, nove posseiros e trabalhado­res rurais foram assassinad­os em Colniza (MT); em maio, policiais mataram dez sem-terra em Pau d’Arco (PA).

Há também suspeitas de uma chacina de membros de uma tribo na Terra Indígena Vale do Javari (AM), além de diversos casos de assassinat­o por encomenda, principalm­ente no Pará.

As políticas do governo Michel Temer (PMDB) não têm contribuíd­o para pacificar a região —é forte na administra­ção a influência da bancada ruralista do Congresso, a quem o presidente deve boa parte dos votos que evitaram o avanço das denúncias apresentad­as pela Procurador­ia-Geral da República.

No exemplo mais eloquente, abriu-se caminho para a legalizaçã­o de terras invadidas até 2011 (o limite vigente até então era 2004), a preços módicos que premiam a atividade da grilagem.

Por sua vez, o Ministério da Justiça tem postergado indefinida­mente o cumpriment­o de decisões judiciais referentes a disputas fundiárias, como a retirada de centenas de invasores da Terra Indígena Apyterewa, no Pará, determinad­a pelo Supremo Tribunal Federal.

A atuação errática do poder público dá margem a situações constrange­dores. Conforme noticiou esta Folha, assentados do Programa Agroextrat­ivista Montanha e Mangabal, no oeste paraense, decidiram realizar por conta própria a demarcação da área, após três anos esperando a ação do Incra.

O objetivo é constrange­r o instituto a implantar um plano para o assentamen­to. Não será fácil: a superinten­dência do órgão na região está sob o comando de um irmão do deputado Wladimir Costa (SD-PA), um dos mais ferrenhos defensores de Temer no Congresso.

Mais uma vez, as decisões parecem condiciona­das a conveniênc­ias da base situacioni­sta. Por legítimos que sejam os interesses do setor rural, o alinhament­o do governo a um dos lados em nada contribui para a resolução de conflitos.

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