Folha de S.Paulo

Bate-bola no Kremlin

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RIO DE JANEIRO - Abri a Folha (“Esporte”, 1º/12), vi a foto, passei adiante e logo voltei a ela, como se não tivesse acreditado no que vira. Numa sala do Kremlin, em Moscou, o presidente russo Vladimir Putin faz embaixada com uma bola, aos olhos de um segurança para quem aquilo parece natural. Observei a inclinação do pé direito de Putin esperando a bola cair, e concluí: ele é do ramo —talvez o segurança esteja habituado e Putin, entre uma conspiraçã­o e outra com o americano Donald Trump, passe o dia fazendo embaixada.

Mas era uma cena inusitada. Ninguém —nem mesmo Luís Carlos Prestes, João Amazonas e Carlos Marighella, comunas históricos— jamais imaginou Lênin, Trótski ou Stálin, habitués daquela mesma sala e daqueles mesmos tacos, às voltas com uma redonda. E não seria por causa da idade, porque Putin já está com 65 anos, enquanto Lênin e Trotski morreram com, respectiva­mente, 54 e 61, e Stálin parecia velhíssimo ao bater as botas, em 1953, mas tinha só 74, marca que Putin vencerá brincando.

Os antigos governante­s, com seus bastos bigodes e barbaças e sempre envoltos em pesados sobretudos — talvez fizesse mais frio no passado—, pareciam muito mais velhos do que eram. Ivan, o Terrível, o primeiro czar de todas as Rússias (na verdade, foi ele quem as unificou), morreu com apenas 54 anos em 1584. E o aventureir­o Rasputin, que dominou czares e czarinas com seu visual de um Cristo diabólico, tinha só 44 quando o liquidaram em 1916.

Com os americanos, é a mesma coisa. Trump já tem 71 anos, mas parece mais novo do que Abraham Lincoln (56 anos ao morrer, em 1865) e Franklin Roosevelt (63 em 1945) e tanto quanto John Kennedy (com incríveis 46 em 1963).

Pois é aí que está. Nenhum daqueles antigos se deu ao prazer de afastar os móveis e brincar com uma bola durante o expediente. CLAUDIA COSTIN

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