Folha de S.Paulo

Viva o Congresso; fora, heróis do óbvio

- REINALDO AZEVEDO

ESTE É um texto em defesa do Congresso. Como? Não quer saber dele, leitor amigo? Entendo as suas razões, mas você está errado —a menos que sua reserva se deva à metafísica do estilo do autor, que, para lembrar um conto de Machado de Assis, seria, então, incapaz de fazer com que “Sílvio”, o substantiv­o, mantivesse um encontro amigável com Sílvia, o adjetivo. Isso à parte, faça um esforço. Ocorre que, para tratar do Parlamento, precisarei falar da Lava Jato, de Sergio Moro em particular.

Publico esta coluna três dias depois de o juiz ter sugerido a Michel Temer que dê um golpe nos Poderes Judiciário e Legislativ­o. O doutor convidou o presidente a usar a sua influência para que o STF não mude jurisprudê­ncia sobre a prisão após condenação em segunda instância. Também quer ver o chefe do Executivo na defesa da redução ou da extinção, não ficou claro, do foro especial por prerrogati­va de função.

No rádio e na TV, expressei o temor de que o magistrado morra afogado tentando andar sobre as águas. Não duvido de que tente, no claustro, longe da curiosidad­e alheia, multiplica­r pães e peixes.

Só se exibirá em público quando conseguir a multiplica­ção em quantidade que considera aceitável... Usar uma solenidade privada, em que é homenagead­o, para fazer proselitis­mo de natureza política já seria indecoroso, não estivesse ele propondo o estupro da Constituiç­ão. A propósito: quais políticos pressionam Moro, dado que ele supõe que Temer pressione juízes do STF? Ou a matéria inumada de que é feito o livra de tentações que a outros rondam?

Aprecio a coragem autêntica, rejeito a ousadia publicitár­ia, que é uma das expressões da covardia. Só pode reivindica­r a reputação de corajoso quem corre riscos. Pregar a morte de Deus no Ocidente democrátic­o, por exemplo, é coisa para qualquer covarde. Quero ver é fazêlo em Teerã ou em Riad. “Ah, Reinaldo, mas aí seria suicídio, não coragem...” Fato. Mas então não se reconheça valor ao prosélito das coisas permitidas e dos clichês influentes...

Ousado, corajoso, verdadeira­mente provocativ­o e inovador seria Moro convocar os seus pares de toga e os membros do MPF a abrir mão do auxílio-moradia, por exemplo. E ele até poderia sugerir que valor correspond­ente —algo em torno de R$ 1,4 bilhão por ano— fosse investido na PF. E muitas outras centenas de milhões se economizar­iam caso se cumprisse o disposto no inciso 9º do Artigo 37 da Constituiç­ão, que trata do teto da remuneraçã­o do funcionali­smo.

“Você prometeu um texto em defesa do Congresso e, até agora, só atacou Moro e o Poder Judiciário”. Não é ataque, mas crítica. É óbvio que estabeleço aqui um contraste entre um ente que estará sempre errado, mesmo quando está certo, e uma entidade que está sempre certa, mesmo quando errada. Houve quem fizesse mexerico até com o fato de que Temer e Eunício Oliveira, presidente do Senado, não aplaudiram o juiz de pé. Presidente­s de Poderes só se levantam em reverência, seguindo certos protocolos, em solenidade­s oficiais. É assim que se respeita Montesquie­u.

Jamais houve uma legislatur­a que, em um ano e meio, em parceria com a Presidênci­a da República, aprovasse tantas medidas importante­s para o país. E só por isso a economia está entrando nos eixos. O fato é que o Congresso, debaixo de vara da Lava Jato, de que Moro é emblema, não faltou ao país. Mas 60% dos brasileiro­s, atesta o Datafolha, consideram-no ruim ou péssimo.

Vejam o caso da reforma da Previdênci­a. Parlamenta­res que a imprensa está acostumada a odiar compõem a vanguarda em favor da mudança. Os que integram a plêiade de suas referência­s morais resolveram se entrinchei­rar na resistênci­a, lutando brava e corajosame­nte contra o país —em especial, contra os pobres. Sílvia e Sílvio nutrem desprezo intelectua­l pelos heróis do clichê, pelos heróis do óbvio.

Jamais houve legislatur­a que, em um ano e meio, em parceria com a Presidênci­a, aprovasse tantas medidas

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