Folha de S.Paulo

PSDB pode ganhar ou perder, mas tem de manter valores

EX-PRESIDENTE DEFENDE REFORMISMO E DIZ QUE ALCKMIN TEM ‘SIMPLICIDA­DE’ COMO ATIVO

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Folha - Geraldo Alckmin será, na prática, ungido candidato no sábado (9). Qual deve ser o seu discurso?

Fernando Henrique Cardoso - O Brasil precisa de um discurso que seja sincero, firme e que dê rumo. Para isso, você tem de pensar grande e ter pressa. Quais são as aflições? O Brasil não é um país pobre, mas com muitospobr­es.Entãotemos alavancas. É preciso construir uma sociedade mais decente,quenãopode­conviver com o grau de desigualda­de que nós vivemos. As pessoas existem, precisamos ir além das bolsas.

Essa é a visão que sempre foi do PSDB e de quem não tem visão unicamente de mercado, que obviamente você tem de levar em consideraç­ão.

Vai tudo depender de mais ciência e tecnologia, centrado em educação. Na globalizaç­ão, não haverá emprego a todos. Um mecanismo que parecia ser utópico, a renda mínima, vira necessidad­e.

É preciso falar de coisas concretas, como segurança. O povo quer coisas simples. O receituári­o poderia ser consensual, mas foi afetado pela crise de representa­tividade. No Brasil, com especifici­dade da corrupção. A Lava Jato destampou o caldeirão e as pessoas sentem o mau cheiro. Isso gerou a busca pelo “novo”. O sr. já citou como exemplos o prefeito João Doria e o apresentad­or Luciano Huck, mas eles murcharam.

Mas aí é uma alegação longíqua, sobre dinheiro de campanha. E ele tem uma simplicida­de. A população olha e diz: “Essa gente rouba, faz festa a vida inteira, anda de jatinho”. Precisamos ter uma liderança mais simples, de gente mais normal, sem fanfarroni­ce e pose. O Geraldo tem essa certa simplicida­de.

É preciso ser capaz de ouvir gente. Eu fui ministro da Fazenda, eu olhei alguns livros de economia, mas não sou economista.Oqueeufiz?Juntei quem sabia. O presidente não precisa ser um sabe-tudo. Ele precisa saber falar com a nação e as pessoas precisam entender.Egentequen­ãoédomeu partido que foi capaz disso. O Lula.

O Lula. Eu falava pouco de inflação, falava de carestia. E isso tudo não basta. Você precisa liderar o Congresso e saber que sem agenda do Executivo, o Congresso paralisa tudo e exige. Quando você não tem isso, é preciso ter capacidade de manipulaçã­o do Congresso,eeladeunoq­uedeu: mensalão, petrolão.

É importante também entender a máquina pública. O governador de São Paulo tem todas essas caracterís­ticas, foi deputado, ficou anos no cargo. Vai realizar? Depende dele. Para um partido que se diz reformista, não é contraditó­rio o debate sobre apoiar a reforma da Previdênci­a no PSDB?

Bom, isso está errado. Há um temor dos parlamenta­res de temas que são impopulare­s perto da eleição. Para você liderar, você não tem de seguir. Em política, é preciso ter valores. Você pode ganhar ou perder, mas não pode perder a cara. No caso de reformas, tem de ter sensibilid­ade, mas não se omitir. Senão vamos para um buraco, como o Rio. Fechar a questão?

Isso só serve para deputado ter uma desculpa. A reforma vai resolver os problemas do Brasil, mas é um começo. Muito está mudando. Eu não gosto de ver gente na cadeia, inclusive algumas que eu estimo. Mas é verdade que é a primeira vez que estamos vendo gente poderosa na cadeia.

Mas calma. É preciso que a Justiça julgue, que não fique só na acusação. Só chegamos onde chegamos porque houve muita leniência na cultura brasileira. Só se muda com exemplo.Achoqueosl­íderes dos partidos têm de se comportar como dizem que são. Há centrão fisiológic­o, há conservado­res, e há um setor novo que é autoritári­o. Isso é uma coisa nova, uma reação à desordem. Não se deve confundir autoritari­smo com necessidad­e de segurança. Esse debate não está sendo capturado por essa franja mais extrema?

Acho que sim. Bandido bom é bandido julgado, não morto. Agora, dizer que bandido é bom não é possível. As pessoas ficam meio constrangi­das de dizer isso porque acham que é coisa de direita. É algo cultural, tanto que há aquele ditado segundo o qual todo político é de esquerda até governar. O sr. ainda se considera de esquerda?

Eu me considero dependendo­decomovocê­define.Hoje não é mais tanto “left and right” (direita e esquerda, em inglês), mas “right and wrong” (certo e errado). Claro, é uma simplifica­ção. Você tem de ter um sentido de justiça social. Não pode achar que o mercado resolve tudo. O discurso da gestão esteve muito presente na eleição paulistana de 2016, com a vitória do Doria. Como o sr. avalia essa queda de avaliação dele?

É preciso esperar um pouco para ver. As pessoas têm sempre a capacidade de se recuperar e também de cair mais. A modernizaç­ão da gestão implica aprender que a gestão pública não é igual à privada. Eu não me preocupo muito com subidas e descidas, quantas vezes isso aconteceu comigo? Vinha pesquisa e dizia que eu era arrogante. Eu, arrogante? Nunca fui, mas na pesquisa pode dar. Vou fazer o quê? Como o sr. avalia o impacto para o processo democrátic­o do caso da condenação de Lula? O PT diz que eleição sem ele será uma fraude.

Quando Lula ganhou, ele o fez com um discurso inclusivo. Quando ele perdeu, usava uma linguagem muito sectária. Ele a está usando de novo, não que ele queira, mas não sobrou muito. Nesse momento, o Brasil precisa de uma linguagem de união. Como o sr. vê a resistênci­a do Michel Temer no cargo?

Ele foi presidente da Câmaraport­rêsvezes,foipreside­nte do PMDB, e entendeu que tinha de fazer coisas para a história. O resto é o resto, todos têm suas circunstân­cias.

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