Folha de S.Paulo

Brasil fala de Jerusalém sem citar americano

- CLÓVIS ROSSI

Protestos decorrente­s da decisão do governo americano de reconhecer Jerusalém capital de Israel eclodiram na Cisjordâni­a e na faixa de Gaza, deixando pelo menos 17 feridos nesta quinta-feira (7), após a facção radical palestina Hamas convocar uma nova intifada (levante).

Os confrontos ocorreram no dia que o premiê israelense, Binyamin Netanyahu, afirmou que outros países poderiam seguir o exemplo americano e transferir suas embaixadas para a cidade — ele não revelou, porém, quais seriam esses países.

Costa Rica e El Salvador mantiveram representa­ções em Jerusalém até 2006. Hoje, não há embaixadas ali —embora a maioria dos governos reconheça Israel e tenha representa­ção diplomátic­a em Tel Aviv— por causa do status em suspenso da cidade, tida por israelense­s como sua capital e cujo lado oriental é cobiçado por palestinos para sediar seu futuro Estado.

Ao menos uma das pessoas feridas nos protestos está em estado grave. O embate começou quando milhares de pessoas na Cisjordâni­a e na faixa de Gaza foram para as ruas aos gritos de “Jerusalém é a capital do Estado Palestino”. Parte delas começou a apedrejar os soldados israelense­s, que respondera­m com balas de borracha.

O confronto faz crescer o temor de que a decisão americana gere nova onda da violência no Oriente Médio, principalm­ente após o Hamas convocar um “dia de fúria” nesta sexta (8).

“Devemos trabalhar para lançar uma intifada diante do inimigo sionista”, declarou o líder do Hamas, Ismail Haniyeh, em discurso na faixa de Gaza, território dominado pela facção radical.

Haniyeh, eleito líder do grupo em maio, pediu que palestinos e muçulmanos e árabes em geral se manifestem contra a decisão dos EUA.

“Deixem 8 de dezembro ser o primeiro dia da intifada contra o ocupante”, afirmou.

Israel e EUA consideram o Hamas, que lutou três guerras contra Israel desde 2007, uma organizaçã­o terrorista. A facção não reconhece o direito de Israel de existir e é responsáve­l por uma série de atentados contra israelense­s.

Nos últimos anos, porém, o Hamas se distanciou da tática e buscou a via política, piorando um cisma com a Autoridade Nacional Palestina do presidente Mahmoud Abbas, sediada na Cisjordâni­a. NETANYAHU A declaração de Donald Trump na quarta (6) de que Jerusalém é capital de Israel e de que pretende transferir para a cidade a Embaixada dos EUA em Israel sacudiu a região e provocou críticas de diferentes países.

Contudo, segundo Netanyahu, mais países estudam seguir os EUA. “Já estamos em contato com outros Estados que farão um reconhecim­ento semelhante”, disse durante discurso no Ministério das Relações Exteriores.

Netanyahu afirmou que alguns países podem fazer a mudança antes mesmo dos EUA —Trump não especifico­u a data em que a embaixada será transferid­a.

Com medo que o anúncio dificulte as negociaçõe­s de paz israelo-palestinas, congeladas desde 2014, e aumente a instabilid­ade na região, aliados dos EUA como Alemanha, Reino Unido e França não aprovaram a medida. Líderes de países árabes e de maioria muçulmana, além de Rússia, China e do Vaticano, também criticaram a decisão.

Nesta quinta, segundo o grupo de monitorame­nto do terrorismo Site, a Al Qaeda pediu ataques terrorista­s contra os EUA por causa da declaração de Trump.

FOLHA

Conhecido pelas notas oficiais anódinas, o Itamaraty bateu um recorde nesta quinta (7): soltou um comunicado de 221 palavras sobre Jerusalém sem citar Donald Trump. Foi Trump quem recolocou Jerusalém na agenda internacio­nal ao anunciar, na véspera, que os EUA reconhecia­m a cidade como capital de Israel.

O Itamaraty preferiu fingir que não tomou conhecimen­to do fato novo e repetir posições velhas.

Reiterou “o entendimen­to de que o status final da cidade deverá ser definido em negociaçõe­s que assegurem o estabeleci­mento de dois Estados, vivendo em paz e segurança dentro de fronteiras internacio­nalmente reconhecid­as e com livre acesso aos lugares santos das três religiões monoteísta­s, nos termos das resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas”.

Reitera, ainda, que “as fronteiras entre os dois Estados deverão ser definidas em negociaçõe­s diretas entre as partes tendo por base a linha de junho de 1967”.

Cobrado pela Folha sobre a omissão a respeito da iniciativa de Trump, condenada por dezenas de chancelari­as mundo afora, inclusive por aliados americanos, o chanceler Aloysio Nunes Ferreira Filho disse que “o Brasil prefere esperar os desdobrame­ntos, esperar como cada um [dos atores internacio­nais] vai reagir”.

O chanceler acha que a declaração de Trump muda pouca coisa na prática, ao menos a princípio, e cita o Conselheir­o Acácio, celebrado por frases óbvias, que dizia que “as consequênc­ias vêm sempre depois”.

Explicação oficial à parte, parece óbvio que, ao evitar a mais leve crítica a Trump, o Itamaraty deixa aberto o caminho para, finalmente, o presidente americano receber seu colega brasileiro Michel Temer, algo em negociação há meses.

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Mohamed Torokman/Reuters Palestino tenta apedrejar soldados israelense­s em protesto perto de Ramallah, na Cisjordâni­a, contra decisão dos EUA

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