Folha de S.Paulo

Amigos do poder têm Natal gordo

- VINICIUS TORRES FREIRE

POR ONDE passa boiada, passa boi, rinoceront­e e até ornitorrin­co. Depois que passou um perdão gordo de dívidas para grandes empresas, o Refis, abriram as porteiras.

Não tem mata-burro. Quem é muito vivo e tem amigos na Câmara leva descontão na dívida com o governo ou algum tipo de crédito. Meio morta está a reforma da Previdênci­a, que no entanto serve de pretexto ou álibi para a barganha. Deputados que conseguem agrados e aval do governo em tese votariam pela reforma. Só que não.

Tem perdão para grandes e pequenas empresas, agricultor familiar, produtores agropecuár­ios de todos os tamanhos, para empresas da Zona Franca de Manaus, para a Caixa Econômica Federal e uns créditos extras para Estados e municípios.

No fim de outubro, teve o Refis reforçado para grandes empresas, descontos de dezenas de bilhões de reais em dívidas com o fisco. Foi o estouro da boiada.

Nesta semana, passou na Câmara o Refis para micro e pequenas empresas (perdão de quase R$ 8 bilhões em 15 anos). Passou o “Refis Rural”, o perdão de dívidas de produtores rurais com a Previdênci­a (Funrural, R$ 15 bilhões em 15 anos), que era objeto de disputa judicial, perdida pelos ruralistas no Supremo.

Desde o final de novembro o governo prepara um perdão de dívidas de empresas da indústria eletroelet­rônica, a maioria da zona franca. Essas firmas têm isenção de impostos desde que invistam em pesquisa e desenvolvi­mento de tecnologia, coisa da Lei de Informátic­a. Como sói acontecer, a fiscalizaç­ão disso é enrolada, as empresas não cumpriram as contrapart­idas e parte do governo cobrava, portanto, dívidas de até R$ 10 bilhões. Deve sair um jeito de perdoar e adiar o débito.

O governo se gaba de lipoaspira­r o BNDES, encarecend­o o crédito subsidiado do banco e reduzindo sua carteira de crédito. Mas se deu um jeito de aumentar o capital da combalida Caixa Econômica Federal, levado ao limite no governo passado. Para tanto, vai se fazer uma operação que no fundo é um empréstimo de pai para filho, eterno, do FGTS para o banco estatal (refinancia­mento de dívida velha). Passou na Câmara.

Com mais capital, a Caixa vai poder emprestar mais, para imóveis e saneamento, basicament­e. Em tese, pode ajudar a ressuscita­r o setor de construção civil, o que mais puxa a economia para baixo.

Na Câmara, todas essas medidas passaram com mais votos que os necessário­s para a aprovação de uma emenda constituci­onal (308). O governismo, o “bloco de poder” ou como se queira chamar quem está por cima da carne seca, enfim, tem votos para aprovar o que lhes der na telha. Por baixo, aumentaram o buraco nas contas do governo em pelo menos uns R$ 6 bilhões, apenas no ano que vem.

Não estão nessa conta tentativas do governo de reduzir sua penúria, que podem cair por causa de lobby forte no Congresso. Trata-se aqui de aumentos de impostos para investidor­esricosead­iamentoder­eajustede servidores, por exemplo. Esta conta é de pelo menos uns R$ 15 bilhões.

Parte disso até pode ser legítimo, quem sabe correto, admita-se, para facilitar o argumento. No entanto, a penúria do governo é terminal e aprovam-se mais renúncias de receita na base do “quem pode muito chora e mama”. O povo chupa o dedo.

Temer e amigos no Congresso aprovam perdões de dívida sob pretexto de reformar Previdênci­a

vinicius.torres@grupofolha.com.br

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