Folha de S.Paulo

Cursos urgentes para prefeitura­s de cidades atingidas pela enxurrada e que não têm como pagar essas contas.

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ENVIADA ESPECIAL A RIO CASCA E A URUCÂNIA (MG)

Quem passa pelo centro de Rio Casca (MG) leva a mão à boca de espanto ou ao nariz para estancar o odor de esgoto no lamaçal. O cenário de guerra nem se compara à ultima grande cheia do rio que dá nome à cidade, em 1979.

Uma hora de chuva intensa na manhã de segunda (4) foi o suficiente para demolir casas inteiras e cobrir imóveis de dois andares até o teto.

Desde o início do mês em todo o Estado, os bombeiros registrara­m mais de 540 ocorrência­s por causa das chuvas. Há três pessoas desapareci­das em Urucânia e uma em Vespasiano, na região metropolit­ana. Três pessoas morreram em meio às enchentes em Urucânia, Ribeirão das Neves e Perdizes.

Cerca de 200 casas foram destruídas ou danificada­s em cidades da zona da mata do Estado, enquanto há mais de 1.800 pessoas atingidas.

Em Rio Casca, nesta quinta (7), a lama remanescen­te chegava à canela dos moradores. No centro do município de 15 mil habitantes, comerciant­es perderam tudo. Também houve saques na madrugada —sem energia elétrica, as câmeras de segurança não funcionam.

Durante a chuva, o prefeito teve que subir no telhado da casa de sua mãe com toda a família, inclusive a filha de um ano e meio. Foi resgatado de barco por um vizinho.

Nesta quinta, Adriano de Almeida Alvarenga (PDT) se encontrou com o presidente Michel Temer (PMDB) para pedir ajuda. No dia anterior, o governador Fernando Pimentel (PT) esteve na cidade.

A crise financeira em nível estadual e federal preocupa diante da necessidad­e de re- IMPROVISO Um posto de comando da Defesa Civil improvisad­o em uma escola traz pregados nas paredes planos de ação, controle de recursos, como caminhões e tratores, e o balanço da tragédia: mais de 1.200 pessoas que tiveram que deixar suas casas.

Uma delas é João Bosco, 67, que quebrou a perna ao ser soterrado da cintura para baixo quando o barranco no fundo de sua casa cedeu. Morador de um bairro pobre da cidade, está abrigado em uma escola com outras 40 pessoas.

A 200 km de Belo Horizonte, a sede de Rio Casca recuperou a energia elétrica, mas falta água. Caminhões-pipa são a única alternativ­a.

A mesma devastação, com escombros e lama, se repete nos distritos de Vista Alegre (Rio Casca) e Águas Férreas (São Pedro dos Ferros), onde o ambiente rural inclui carroças, cachorros e plantações. São cerca de 30 casas destruídas e quase 90 danificada­s.

A movimentaç­ão de tratores, caminhões e caminhonet­es com doações é intensa. A energia elétrica não foi restabelec­ida. Há geradores para a escola que serve de refeitório e para o posto de saúde. UMA FAMÍLIA Erica Rozeno, 31, diz estar se sentindo péssima e impotente por não ter conseguido salvar os filhos da enchente na zona rural de Urucânia (MG). “Fico revoltada de estar aqui e eles não.”

A forte chuva de segundafei­ra (4) arrastou a casa e levou sua filha, Maria Fernanda, 13, seu filho, Vinícius, 7, e sua mãe, Eva de Jesus, 67. A menina foi encontrada morta na terça (5), e os bombei- ros ainda buscam os demais.

Erica se agarrou a uma árvore, balançou galhos para chamar atenção e foi resgatada pelos bombeiros. Enterrou a filha inchada e com “o rostinho todo machucado”. “O que mais me dói é escutar a voz dela dizendo: ‘Mãe, eu não quero morrer porque eu ainda não aproveitei nada’.” A garota foi arrastada pelas águas das chuvas na frente da mãe.

O pai das crianças, Ronaldo Rozeno, 41, havia saído às 5h para trabalhar na Usina Jatiboca, produtora de açúcar e álcool. Por volta das 7h, percebendo que o córrego que passa a poucos metros de sua casa enchia, resolveu voltar com um colega de trabalho. Não encontrou mais nada.

“Entrei em desespero e desmaiei”, conta Ronaldo. Por volta das 10h, ainda gritava pelos filhos, quando uma vizinha indicou que havia alguém em cima da árvore.

A família acabou em minutos. “Estava trovejando forte, e eu falei pra minha menina deitar na minha cama, que eu gostava que meus meninos ficassem junto comigo quando trovejava”, diz Erica.

Ao ouvir um barulho e abrir a porta, se deu conta do volume de água e da correnteza que se aproximava­m.

“Como eu vou tirar minha família daqui?”, pensou. Já não havia mais tempo. A parede da cozinha rompeu e a água chegou na altura da cintura. Vinícius se agarrou a um dos cachorros e disse que ia ficar tudo bem. Erica ficou em pé na janela para pedir ajuda. Trombas d’água vinham também das encostas, formando um grande rio.

Quando a parede do quarto arrebentou, foi lançada para fora e não viu mais ninguém. “Fui afogando e engolindo muita água. Pensei que se fosse pra viver sem meus filhos, podia morrer que não tinha problema.” Erica se agarrou a uma cama, subiu em uma árvore, caiu de costas, subiu em outra árvore, de onde viu uma vaca boiando.

Da casa simples, um pouco afastada dos demais vizinhos, sobrou só o assoalho. O casal não voltou para ver restos de móveis e roupas espalhados pela lama. Dois dos quatro cachorros não saem dali.

Aos 13, Maria Fernanda gostava de maquiagem, mas também brincava de boneca.

Erica e Ronaldo, agora hospedados na casa de uma prima, não sabem o que será do futuro. O único plano é que Erica termine a faculdade de administra­ção, pois os filhos estavam empolgados com a formatura.

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