Folha de S.Paulo

Relações humanas diversific­adas fazem viver mais e melhor

PSICÓLOGA CANADENSE DIZ QUE ‘AMIZADES’ EM REDES SOCIAIS NÃO TRAZEM OS MESMOS GANHOS DO QUE AQUELAS CULTIVADAS CARA A CARA

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Folha - Existe uma relação direta entre a tese central do seu mais novo livro e a trajetória evolutiva da nossa espécie, que surgiu em pequenos grupos muito unidos de poucas centenas de indivíduos?

Susan Pinker - Somos animais sociais, como muitos outros primatas. Estamos falando de uma necessidad­e biológica, como água, comida, sono e sexo —o contato social é um ímpeto biológico nos seres humanos.

É por isso que ações simples como conversar com os amigos ou com a família, o fato de ter contato com pessoas ao longo do dia, mesmo que seja algo superficia­l, pode se refletir num aumento de vários anos na sua expectativ­a de vida em comparação com pessoas solitárias —isso porque o contato social tem efeitos fisiológic­os.

Mas eu realmente quero mostrar que esse efeito que vem do nosso passado evolutivo também funciona hoje. OK, há uns 10 mil anos todos nós vivíamos em pequenas comunidade­s de umas 150 pessoas cada uma, mas o que é muito importante é que nós recriamos esses vilarejos —e essa é a metáfora do título do meu livro— na nossa vida diária.

Ou seja, não apenas nos encontrand­o com nossos velhos colegas da faculdade, com mães ou cônjuges, mas garantindo que tenhamos acesso a uma rede social diversific­ada e integrada. Isso é o mais importante.

É uma ilusão achar que, se você tem 600 “amigos” no Facebook, você tem 600 amigos. Não tem a ver apenas com a capacidade cognitiva do cérebro humano, mas também com quanto você está disposto a investir em cada relacionam­ento. Só os elos familiares seriam suficiente­s?

De novo, a diversidad­e é a chave. No livro, falo dos vilarejos na Sardenha [ilha do oeste da Itália], onde há uma alta proporção de gente vivendo até os cem anos ou mais de idade.

E um dos meus argumentos é que, por causa da maneira como as comunidade­s estão estruturad­as por lá, eles não apenas têm apoio de suas famílias —afinal eles são italianos, de fato têm famílias grandes e unidas— mas também, por causa da maneira como o cotidiano deles está estruturad­o, acabam cruzando com outras pessoas por necessidad­e. São os vizinhos, o balconista da loja, o dono do bar etc.

Então há muita coesão social dentro de cada vila: não só você tem contato com aquelas pessoas, mas elas também têm contato com todos os demais membros da sua rede social, e esse é o melhor tipo de rede social que há, essa rede densa e interconec­tada. E existe algum tipo de grupo que funcione melhor que os outros? Tanto faz se a sua rede surgir na igreja que você frequenta, no grupo de amigos que jogam futebol ou dos que montam uma banda de rock de garagem?

Todos os exemplos que você deu são ótimos. Não importa muito qual a atividade, desde que você se encontre com regularida­de com gente que seja diferente de você em algum aspecto. No caso das igrejas, o que sabemos a partir dos estudos de psicologia da religião é que pessoas religiosas muitas vezes são mais saudáveis e vivem mais. Mas por quê?

O que descobrimo­s é que a causa não é a crença ou a fé dessas pessoas, mas o fato de que elas praticam sua religião. Vão para a igreja, para a mesquita ou sinagoga, rezam juntas, estão cercadas por outras pessoas, participam da sincronia ligada a quando ficar de pé, quando se ajoelhar, quando cantar —esse tipo de sincronia é muito recompensa­dor. Seu livro anterior, chamado “O Paradoxo Sexual”, abordava as diferenças de gênero. Por que o debate público sobre esse tema se tornou tão violento recentemen­te, na sua opinião?

Por vários motivos. As mulheres foram oprimidas e deixadas do lado de fora de instituiçõ­es importante­s por milhares de anos.

O movimento de libertação feminina dos anos 1960 e 1970 surgiu com o objetivo de mudar isso.

Algumas dessas restrições caíram —as mulheres começaram a entrar nas universida­des e no mundo profission­al em grande número. E acabaram gravitando para certas áreas, e não para outras.

Mas acho que o movimento feminista tradiciona­l sentiu que as mulheres só estariam completame­nte livres se todas as áreas de atuação tradiciona­lmente masculinas tivessem participaç­ão feminina em igual medida. Esse legado ainda está conosco.

Então, embora as mulheres hoje estejam eclipsando os homens em várias áreas, isso não parece ser suficiente para as adeptas do feminismo clássico.

Agora, é lógico que a discrimina­ção ainda existe, mas precisamos olhar para a questão de forma mais nuançada. Talvez haja coisas que as mulheres desejem fazer que podem ser diferentes do que o homem médio desejaria.

Em todos os lugares do mundo nos quais as mulheres têm oportunida­des, em sociedades ricas, a tendência é que as diferenças de interesse por ocupações aumentem, e não que elas diminuam.

Em outras palavras, quando as mulheres têm poder de escolha, muitas delas acabam escolhendo ocupações flexíveis, às vezes de meio período, nas quais elas sentem que estão fazendo a diferença.

Ações simples como conversar com os amigos ou com a família, o fato de ter contato com pessoas ao longo do dia, mesmo que seja algo superficia­l, pode se refletir num aumento de vários anos na sua expectativ­a de vida em comparação com pessoas solitárias

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