OS SERTÕES
A série tem como ponto de partida o desaparecimento de um rapaz (Marco Pigossi), nesse mesmo cenário que conjuga o arcaico ao século 21, após ele se envolver com a amante de um sujeito poderoso (Alexandre Nero).
Sua irmã (Alice Wegmann), companheira nos circuitos de mountain bike, se desespera e não sossega enquanto não descobre o que aconteceu de fato. Ela será auxiliada pela mãe (Patricia Pillar), que guarda segredos sobre sua vida pregressa naquelas terras.
Haverá desdobramentos múltiplos em cerca de cinquenta capítulos, incluindo a partida da protagonista para uma comunidade comandada por um sujeito de feições messiânicas, interpretado por Irandhir Santos.
A passagem é filmada no Lajedo de Pai Mateus, na mesma região da Paraíba, conhecida pelo visual fantástico de pedras esféricas com alturas de até quatro metros, que se espalham em um terreno rochoso. Ali, a produção ergueu uma construção que também tem elementos contemporâneos e arcaicos. Ela é toda feita de gravetos na vida fictícia. Na realidade, esses gravetos são feitos de PVC.
Amarradas umas às outras, as unidades formam uma espécie de oca, de paredes vazadas e pé-direito alto. O sol entra por entre as frestas e forma desenhos no piso. A inspiração é a obra do arquiteto finlandês Marco Casagrande, conta Villamarim, em entrevista realizada em um quarto de hotel.
Quando a reportagem entra no aposento, ela aponta a distribuição espacial desequilibrada de três cômodos e faz um tour até o banheiro, onde há uma banheira de hidromassagem. “Essa é a suíte presidencial”, diz, em tom cômico. A sugestão é de que não havia a necessidade de luxos.
Villamarim e o diretor e diretor de fotografia Walter Carvalho (eles também se agruparam na série “Justiça”) ocupam hoje uma posição privilegiada na Globo, que é a de frequentar o horário das 23h, faixa de olhares mais ousados. “Nesse horário, quem está diante da televisão está mais concentrado”, diz.
“Passa das 22h, um número de pessoas desliga a TV. Passa das 23h, outro número desliga. Quem fica não está jantando nem conversando. Está desejando ver aquilo. Você pode ter uma linguagem mais complicada”.
Passa por essa identidade as experimentações mais comuns ao teatro. Os atores da série falam, por exemplo, sobre suas experiências locais e como elas interferem diretamente na trama e nas interpretações, o que é mais comum ouvir de artistas das artes cênicas, como os da Mundana Companhia, de onde está vindo Lee Taylor, que faz um amigo da protagonista.
A produção de elenco tem olhar voltado à cena teatral. Além de Taylor, estão presentes integrantes do grupo pernambucano Magiluth e Enrique Diaz, intérprete e diretor de longa trajetória no teatro.
A única transexual da região, Melissa Matarazzo, 19, foi convidada a fazer uma ponta. “Fiz uma garota de programa”, conta. Para localizá-la, a reportagem passou por duas academias de Cabaceiras.
Wegmann conta que as condições físicas da região interferem em sua interpretação. “Muda o tom da voz”, diz. “O
“
Passa das dez da noite, um número de pessoas desliga a televisão. Passa das 23h, outro número desliga. Quem fica não está jantando, não está conversando. Está desejando ver aquilo, concentrado. Você pode ter uma linguagem mais complicada. Isso ajudou a criar uma identidade para esse horário”
JOSÉ LUIZ VILLAMARIM
diretor nariz fica seco, a gente sente a poeira entrar no corpo, se esfrega no banho, mas não adianta, a poeira fica”, completa.
Para fazer seu papel, Irandhir Santos conta que visitou rezadeiras e benzedeiras, para incorporar orações a suas falas. Um garçom no hotel onde está hospedado conta à reportagem que o ator é introspectivo e costuma fazer caminhadas noturnas e solitárias.
“São diurnas também”, ele conserta. “Nelas, e nas conversas com as pessoas daqui, você encontra um ritmo, onde o sol determina se você vai sair de casa ou não. Quando está quente, o jeito é esperar”.
Recria-se, então, ele conta, o sertanejo que é um durante o dia e outro à noite.