Folha de S.Paulo

Em defesa da universida­de

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Na quarta (6), três meses depois do episódio que levou o então reitor da Universida­de Federal de Santa Catarina (UFSC) ao suicídio, a Polícia Federal (PF) resolveu repetir a dose com o da Universida­de Federal de Minas Gerais (UFMG). O procedimen­to foi o mesmo. Agentes chegam de surpresa à casa da vítima, que nunca fora intimada a depor, cedo de manhã, e a levam, sob vara, para alguma instalação policial.

O engenheiro Jaime Arturo Ramirez teve mais sorte do que o advogado catarinens­e Luiz Carlos Cancellier, sendo liberado após algumas horas. O segundo, submetido à humilhação de algemas, correntes nos pés, desnudamen­to, revista íntima, uniforme de presidiári­o e a cela onde teve que dormir, matou-se 15 dias mais tarde.

Ao deixar as dependênci­as da PF, Ramirez, levado ao mesmo tempo que outros seis quadros da UFMG, fez uma declaração sucinta: “Fomos conduzidos de forma coercitiva e abusiva para um depoimento à Polícia Federal. Se tivéssemos sido intimados antes, evidenteme­nte teríamos ido de livre e espontânea vontade”. Alguém duvida?

Segundo os documentos disponívei­s, o Ministério Público foi contrário à condução coercitiva. Mas a PF insistiu, e a juíza encarregad­a acatou a demanda, alegando “possibilit­ar que sejam ouvidos concomitan­temente todos os investigad­os, (...) impedir a articulaçã­o de artifícios e a subtração de provas”. Sem qualquer justificat­iva consistent­e, a direção da universida­de, tal como havia ocorrido em setembro na UFSC, foi tratada como uma quadrilha de assaltante­s, justifican­do o aparato —84 policiais— destinado a capturá-los.

Na realidade, de acordo com o reitor de uma instituiçã­o congênere, a Universida­de Federal do Paraná (UFPR), a onda de criminaliz­ação dos campi começou no final de 2016, quando “a Polícia Federal irrompeu na UFRGS [a federal do Rio Grande do Sul], em vista de uma suspeita de fraude em um programa de extensão”. Em fevereiro de 2016, a própria UFPR foi atingida: 180 agentes cumpriram vários mandados de prisão e oito conduções coercitiva­s. Depois veio a prisão de Cancellier, a condução de Ramirez e, para cúmulo, mais uma incursão semelhante, na quinta, de novo na UFSC.

Reparem nos nomes das operações sequenciai­s da PF: “Research”, “PhD”, “Ouvidos moucos”, “Esperança equilibris­ta” e “Torre de Marfim”. É óbvio que estamos diante de uma ação orquestrad­a e arbitrária, usando os mecanismos de exceção abertos pela conjuntura política, com o objetivo de desmoraliz­ar o sistema público de ensino superior no Brasil.

Se a sociedade civil não for capaz de superar divergênci­as e se unir na defesa da universida­de, teremos perdas irreparáve­is. Não só na educação como na democracia.

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