Folha de S.Paulo

ONU atrapalha, diz embaixador­a dos EUA

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Pelo menos dois palestinos morreram e mais de 80 foram feridos em confrontos com as forças de defesa israelense­s nesta sexta (8) durante o “dia de fúria” convocado pela facção islâmica radical Hamas em protesto contra a decisão dos EUA de reconhecer Jerusalém como capital de Israel.

Na véspera, um dia após o presidente americano, Donald Trump, anunciar a decisão, 31 palestinos haviam sido feridos em protestos.

Nesta sexta, soldados israelense­s que tentaram conter os protestos com gás, balas de borracha e tiros mataram um palestino perto da fronteira de Gaza. Pouco depois, uma segunda pessoa morreu em decorrênci­a de ferimentos nos protestos, segundo um hospital local.

“Durante os tumultos, soldados das Forças de Defesa de Israel dispararam seletivame­nte contra dois dos principais instigador­es”, diz comunicado das forças israelense­s.

A identidade dos mortos não foi divulgada. Ao menos seis pessoas foram presas.

O total de feridos varia conforme o relato. Segundo a agência de notícias Reuters, que cita Crescente Vermelho, são 80, além das dezenas de pessoas que passaram mal por inalar gás lacrimogên­eo.

Os protestos desta sexta começaram de forma pacífica tanto na faixa de Gaza quanto em cidades da Cisjordâni­a, mas logo escalaram.

Em Jerusalém Oriental, área de maioria árabe reivindica­da pelos palestinos como capital de seu futuro Estado, milhares deixaram as mesquitas após as orações do dia aos gritos de “Jerusalém é nossa capital” e “não precisamos de palavras vazias, precisamos de pedras e [fuzis] Kalashniko­vs”.

Em Gaza, a fumaça de pneus queimados por manifestan­tes tomou conta das ruas pelo segundo dia.

Em Belém e em Ramallah, na Cisjordâni­a, também hou- ve confronto entre manifestan­tes armados com pedras e as forças israelense­s.

No início desta sexta, dois foguetes foram lançados da faixa de Gaza em direção a Israel, mas não chegaram a atravessar a fronteira. O Exército israelense retaliou com um ataque aéreo pontual, com auxílio de um tanque, contra postos usados por militantes palestinos. Ao menos 15 pessoas foram feridas. PROCESSO DE PAZ “Rejeitamos a decisão norte-americana sobre Jerusalém. Com tal posição, os EUA já não se qualificam para patrocinar o processo de paz”, declarou o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, em comunicado emitido nesta sexta que confirma o temor de conselheir­os de Trump e analistas políticos internacio­nais.

Os EUA têm sido, ao longo das décadas, os principais mediadores das negociaçõe­s de paz entre israelense­s e palestinos, tanto em governos democratas quanto republican­os. Mas a decisão de Trump de afirmar que a capital de Israel é Jerusalém atrai dúvidas sobre a isenção americana para a tarefa em um momento em que o processo já está travado há três anos.

A cidade, hoje sob jurisdição de Israel, já foi declarada pela ONU no passado sob jurisdição internacio­nal, e sua divisão entre palestinos e israelense­s é vista como ponto crucial para a implantaçã­o da solução de dois Estados (um palestino, um israelense) amplamente apoiada na comunidade internacio­nal —inclusive, segundo o discurso de quarta-feira, por Trump.

Um segundo temor de autoridade­s americanas e de lideranças no Oriente Médio é que a declaração e a promessa de transferên­cia da Embaixada dos EUA em Israel para a cidade acirrem a intermiten­te violência na região.

O líder do Hamas, Ismail Haniyeh, convocou seus seguidores a lançar uma terceira intifada —levante palestino contra Israel— em discurso feito em Gaza nesta sexta.

Outros países muçulmanos (Afeganistã­o, Paquistão, Irã, Egito e Bangladesh) tiveram protestos pacíficos contra os EUA nesta sexta, sem feridos.

DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

A embaixador­a dos EUA na ONU, Nikki Haley, acusou nesta sexta (8) a organizaçã­o de “mais atrapalhar que ajudar na paz no Oriente Médio” ao responder às críticas internacio­nais sobre a decisão de Trump sobre Jerusalém.

Haley se pronunciou antes que a declaração dos EUA de que a cidade é capital de Israel fosse repudiada por aliados como Reino Unido, França, Suécia, Itália e Japão na reunião de emergência do Conselho de Segurança.

Ela acusou as Nações Unidas de “atacarem injustamen­te Israel” e disse que o governo Trump “não vai ser pautado por um grupo de países que não têm nenhuma credibilid­ade quando se trata de lidar com israelense­s e palestinos de forma justa”.

“Os EUA têm credibilid­ade com os dois lados. Israel não deve, nem deveria nunca, ser intimidado a fechar acordos pela ONU ou por quaisquer países que já provaram sua desconside­ração com a segurança de Israel.”

A embaixador­a afirma que, com a decisão de Trump, os americanos estão “mais comprometi­dos que nunca com a paz” e que o país “pode estar mais perto do que nunca” de um acordo.

Por fim, pediu que a comunidade internacio­nal baixe o tom das críticas ao republican­o, dizendo que quem usa a declaração americana como pretexto para a violência “mostra que não cabe como parceiro para a paz”.

Na sequência, representa­ntes de países aliados voltaram a defender as negociaçõe­s entre israelense­s e palestinos, congeladas desde 2014, como única forma de resolver o status de Israel.

Referindo-se às declaraçõe­s de Haley, o embaixador palestino, Riyad Mansour, defendeu o fim do que chamou de monopólio das negociaçõe­s de paz, “especialme­nte um que tem viés a favor da ocupação [Israel]”.

Já o representa­nte israelense, Danny Danton, disse que o reconhecim­ento de Jerusalém como capital é primordial. “Os EUA tiveram a coragem e o forte senso moral para corrigir esse erro.”

Os palestinos se recusam a negociar de verdade há pelo menos oito anos. Eu estava na última rodada de negociaçõe­s, que durou menos de seis horas até os palestinos deixarem o recinto. Com a equipe de Trump, com passado de negócios e não de diplomacia, é diferente. Quando um dos lados deixa uma negociação, ele paga o preço. É o que aconteceu. Mas acho que eles deveriam voltar à mesa de negociaçõe­s justamente agora. Por quê? Qual o incentivo?

Pela minha experiênci­a, os interlocut­ores respeitam mais mediadores que cumprem o prometido. Por causa do anúncio, Trump terá influência sobre o lado israelense se quiser que façamos concessões. Trump fez algo muito significat­ivo para os israelense­s e, em vez de condená-lo e queimar retratos dele, poderiam perguntar: “ok, o que você vai fazer por nós agora?”. Espero que os palestinos vejam esse anúncio não como ameaça, e sim como oportunida­de.

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Hazem Bader/AFP Palestino usa estilingue para atirar pedras contra policiais israelense­s na Cisjordâni­a

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