Folha de S.Paulo

O custo da última palavra

- COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Leão Serva; OSCAR VILHENA VIEIRA terça: Vera Iaconelli; quarta: Francisco Daudt; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

A ÚLTIMA palavra do Supremo está sendo aguardada para definir o destino de deputados estaduais envolvidos em escândalos de corrupção. Aguardar a última palavra do Supremo tem sido uma constante nas mais variadas esferas da vida nacional nas últimas décadas.

Como explicar que a Assembleia Constituin­te, formada em grande maioria por políticos profission­ais, assim como sucessivos governos, tenham conferido tantos poderes a uma corte, habilitand­o-a a controlar diversas dimensões nucleares da nossa política?

Se em política ninguém abdica voluntaria­mente do poder, como compreende­r essa paradoxal e paulatina delegação de poderes ao Supremo, ocorrida ao longo dos últimos 30 anos? Essa foi a provocação que recebi de meu colega Carlos Pereira, da FGV, que organizou nesta semana um importante debate sobre o Estado de Direito na América Latina.

Creio que o processo de fortalecim­ento do Supremo está associado a dois fatores: a generaliza­da desconfian­ça entre os atores políticos e uma alta fragmentaç­ão partidária durante o processo constituin­te.

De um lado, os atores políticos que contribuír­am para a queda do regime militar temiam que a democracia não se estabiliza­sse e que o princípio da alternânci­a no poder não fosse respeitado pelo primeiro que lá chegasse. Também desconfiav­am que as demandas por uma sociedade mais justa não seriam cumpridas pela Nova República. Em sentido oposto, setores tradiciona­is, como os ruralistas, assim como aqueles mais ligados ao mercado, receavam que a onda democrátic­a e distributi­vista pudesse ir longe demais, subvertend­o seus interesses e mesmo levando a ingovernab­ilidade.

A desconfian­ça generaliza­da associada à fragmentaç­ão política criaram um forte incentivo para que os constituin­tes buscassem maximizar seus próprios interesses, assim como os interesses de seus representa­dos. O resultado foi o entrinchei­ramento de privilégio­s, prerrogati­vas, competênci­as, mas também de um longo catálogo de direitos legítimos no texto constituci­onal. Isso explica a adoção de um documento tão amplo, ambicioso, minudente e, em diversos aspectos, contraditó­rio.

O contrato sem a espada, no entanto, é de pouca valia, como já nos ensinou Thomas Hobbes. Daí a necessidad­e de se constituir um árbitro forte, confiável a todas as partes, conferindo a ele poderes para garantir os inúmeros compromiss­os firmados no pacto constituci­onal. Ao Supremo, assim, atribuiu-se a tarefa de proteger a Constituiç­ão, mediar as disputas entre os poderes, julgar políticos e supervisio­nar as demais instâncias da Justiça.

O exercício sistemátic­o de tantos poderes tem, no entanto, exacerbado a fragmentaç­ão da jurisdição do Supremo, ampliando o risco de contradiçõ­es e inconsistê­ncias nos seus julgados. Essas inconsistê­ncias, por sua vez, ampliam a desconfian­ça da sociedade no tribunal, como mostra a última edição do Índice de Confiança na Justiça (ICJ) produzido pelo FGV Direito SP.

A preservaçã­o da autoridade do tribunal, indispensá­vel ao exercício da função de guardião do pacto constituci­onal, depende da transferên­cia de uma larga parcela de suas atribuiçõe­s para as demais instâncias do sistema de justiça, assim como de uma radical reformulaç­ão de seu processo de deliberaçã­o, privilegia­ndo a colegialid­ade em detrimento das individual­idades.

Como explicar que políticos profission­ais tenham conferido tantos poderes constituci­onais ao STF?

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