Folha de S.Paulo

O LIVRO DO APRENDIZAD­O

Entremeada­s à ficção, experiênci­as pessoais fizeram Bernardo Kucinski cogitar pseudônimo para o seu novo romance, ‘Pretérito Imperfeito’

- MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

“minhas atividades profission­ais senti um vazio. Me veio então a ideia de escrever “fôlego para um

DE SÃO PAULO

“Eu virei um ficcionist­a tardiament­e, há seis ou sete anos, e me dei conta de que já passei dos 80. Tenho uma vida útil pela frente limitada. Quantos anos mais? Cinco, seis? Sei lá, vai saber... Essa foi a questão que me levou a esse livro: eu preciso escrever aquilo que só eu posso escrever”, diz Bernardo Kucinski, à espera de uma xícara de café, sentado na sala de seu apartament­o no bairro de Pinheiros, em São Paulo.

O livro em questão é “Pretérito Imperfeito”, no qual o narrador conta a história de um filho adotivo que se perde pelos caminhos tortuosos da busca por paraísos artificiai­s.

O processo de dependênci­a do uso de drogas —álcool, maconha, crack e substância­s sintéticas— deflagra uma série de conflitos e angústias que afeta de maneira irremediáv­el a vida dos pais e, claro, a do próprio rapaz, em sua passagem da adolescênc­ia para a idade adulta. Mas é tudo verdade? “O objetivo foi fazer uma criação literária inspirada numa história de vida real”, responde o escritor. “Os cenários na grande maioria são reais e os episódios acontecera­m, embora apenas parte deles.”

Outras situações e personagen­s foram criadas, e o enredo submetido a montagem literária, com a multiplica­ção de capítulos curtos (57, mais um “Post-Scriptum”), a intervençã­o de vozes múltiplas e o uso pontual de textos prontos —como um despacho de agência de notícias.

Dessa maneira, o autor distancia-se do relato propriamen­te biográfico (que também tem lá suas fantasias e, em certos casos, boa literatura).

“A carta, por exemplo, é pura invenção”, diz Kucinski, referindo-se ao início da história, quando o narrador relata a decisão extremada de remeter ao filho único, que vive fora do país, uma correspond­ência encerrando relações, num gesto que é ao mesmo tempo de libertação pessoal:

“Há anos te excluíste de nossa família; há anos vens cometendo indignidad­es, não uma vez, nem duas; e não por descuido”, escreve o pai, saturado pelas noites insones, pelos sobressalt­os e pelas surpresas chocantes: “A carta é de uma alforria que tardava. A minha alforria”.

Kucinski deu ao livro o título “Pretérito Imperfeito”, mas o arquivo eletrônico do texto sobre o qual trabalhou ficou guardado em seu computador como “O livro de meu aprendizad­o”.

“Foi de fato um aprendizad­o” afirma o escritor, “que eu achava importante compartilh­ar”.

Além dos tormentos e das peripécias decorrente­s do drama familiar, que se passam em vários países, o narrador volta-se para suas próprias tentativas de encontrar explicaçõe­s e entender o que estava acontecend­o —o que inclui leituras de artigos especializ­ados e consultas a psiquiatra­s. BERNARDO KUCINSKI

mais complicado

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O escritor Bernardo Kucinski em seu apartament­o

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