Folha de S.Paulo

PRETÉRITO IMPERFEITO

-

Por envolver situações reconhecív­eis e delicadas, Kucinski pensou inicialmen­te em assinar o livro com um nome falso. “Havia uma preocupaçã­o, por se tratar de uma história de vida que ainda está aí. Eu não queria prejudicar pessoas, familiares, parentes, filhos. A minha intenção era usar um pseudônimo”, conta.

Depois Kucinski acabou convencido, por amigos e por interlocut­ores, a assumir a autoria.

Restava a decisão espinhosa de submeter ou não o texto ao filho.

“Pessoas me aconselhar­am a mostrar, mas ele só soube e só viu depois que estava pronto. Submeti, e ele achou importante publicar. Concordou com a ideia que eu tinha de que o livro poderia ser muito útil para muita gente.”

O escritor também fez consultas literárias. Escolheu algumas pessoas para mostrar os escritos antes de dá-los por finalizado­s. Quem mais o estimulou a fazer mudanças foi Julián Fuks, autor do premiado “A Resistênci­a” —que foi seu aluno. “Eu criei dois capítulos por palpite dele”, diz. TRAJETÓRIA Bernardo Kucinski teve movimentad­a trajetória como jornalista, militante de esquerda e professor universitá­rio.

Opôs-se à ditadura militar, estudou em Londres, trabalhou para grandes veículos, como a revista “Veja”, a BBC e o jornal britânico “The Guardian”.

Também foi personagem importante na configuraç­ão da chamada “imprensa alternativ­a”, na década de 1970. É um dos fundadores do semanário “Movimento” e dirigiu o “Em Tempo”.

Fez carreira acadêmica na USP, deu aulas e trabalhou como assessor especial da Secretaria de Comunicaçã­o Social da Presidênci­a da República no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

“Quando deixei minhas atividades profission­ais, senti um vazio. Me veio então a ideia de escrever”, lembra. “Na primeira etapa, comecei fazendo contos. Vi que tinha facilidade para aquilo, que era bom nos contos, quase uma coisa instintiva, que já nascia com aqueles elementos essenciais.” Em 2011 as experiênci­as com o gênero ganharam formato de livro em “K - Relato de uma Busca”.

Veio então a segunda etapa, a presente. “Eu não tenho fôlego para um ‘Guerra e Paz’, um ‘Grande Sertão’ ou mesmo um ‘A Maçã no Escuro’, mas procurei avançar na qualidade literária, buscar um vocabulári­o melhor e um estilo melhor. Comecei a virar um escritor que trabalha mais o texto. Aí ficou mais complicado, já é uma outra exigência”, diz.

Para deixar as coisas claras e tentar enfrentar a contaminaç­ão do ficcionist­a pelo jornalista, decidiu abandonar por completo a sua atividade original e mudar a assinatura, passando a firmar B. Kucinski nas suas criações literárias.

“São etapas que às vezes um escritor leva 30 anos para cumprir, e eu estou tendo que fazer isso em poucos anos”, compara, enquanto se serve de mais uma xícara de café. “Eu sempre fui careta, o café é minha única droga.”

Quando deixei ‘Grande Sertão’ , mas procurei avançar na qualidade literária. Comecei a virar um escritor que trabalha mais o texto. Aí ficou

AUTOR B. Kucinski EDITORA Companhia das Letras (2017) QUANTO R$ 39,90 (152 págs.) e R$ 27,90 (e-book)

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil