Folha de S.Paulo

CRÍTICA Interesse sexual de Flor esfria em nova versão

Inspirado em romance de Jorge Amado, adaptação de Pedro Vasconcelo­s se perde em clichês e falhas de roteiro

- INÁCIO ARAUJO

FOLHA

Basta ver as primeiras cenas para saber o que será o novo “Dona Flor e Seus Dois Maridos”. Vemos imagens de Carnaval. Cenas em geral tomadas de perto, de pessoas dançando e pulando. A música é alegre, tipo frevo. Vemos por fim um homem que cai: é Vadinho, o primeiro marido de dona Flor.

A música muda: tom apreensivo e depois fúnebre. Corta para Flor despertand­o, aflita. Bom corte, talvez o melhor momento do filme. Informada do infausto acontecime­nto, Flor já levanta chorando.

Seria possível dar um tempo nesse clichê de viúvas que choram tão logo sabem da morte do marido? Não se pode dar a elas ao menos um momento de espanto, surpresa, incredulid­ade, reflexão?

Nada disso. Juliana Paes, a nova Flor, desata a chorar. Levada por uma amiga, chega ao local onde se encontra o corpo do finado marido.

A câmera executa então um movimento em grua, subindo até o alto da cruz, mostrando a pequena multidão que acompanha o evento. Chega a 180º, mas para quê? Para mostrar que sabe usar a grua ou para mostrar produção?

A sequência se encerra com dona Flor dando um daqueles berros que se tornaram a forma mais óbvia de demonstrar dor.

Corte para o funeral. Até então sabemos que morreu Vadinho, o marido de Flor. Agora a mãe de Flor se encarrega de deixar claros seus sentimento­s sobre o finado: um sem-vergonha de primeira, bêbado, jogador, que vivia encostado na filha etc..

Daí vamos ao flashback, ao baile em que Flor e Vadinho se conhecem, em que ele se apresenta como político importante e seduz a garota.

Esse é o primeiro e decisivo problema de roteiro do filme: se a sogra já disse tudo o que aconteceu, qual o interesse em ver novamente? Mas assim será até que dona Flor conheça seu segundo marido, o farmacêuti­co sem graça.

“Dona Flor” como romance, e mesmo no filme original de Bruno Barreto (1976), era um espécie de libelo feminista que colocava o prazer sexual antes de tudo como elemento central da relação amorosa, pois Flor, pressionad­a pelo sem-jeito do farmacêuti­co Teodoro, não custa a chamar o espírito de Vadinho, ainda que inconscien­temente.

O certo é que, com ou sem Vadinho, as coisas seguem mornas, tocadas a poder de uma música quase onipresent­e. Ou antes, que só para, como as antigas vitrolas, quando a eletricida­de se interrompe: recurso ok se usado uma vez, mas três ou quatro...

Passemos, por fim, ao que parece um repulsivo aceno às igrejas neopenteco­stais: uma cerimônia de umbanda representa­da como malévola feitiçaria, com demônio e tudo.

E, no entanto, apesar de todos os problemas, “Dona Flor” em sua versão 2017 se deixará ver, ao menos por um público não cinéfilo, como que para demonstrar a força da história de Jorge Amado. DIREÇÃO Pedro Vasconcelo­s ELENCO Juliana Paes, Leandro Hassum e Marcelo Faria PRODUÇÃO Brasil, 2017, 16 anos QUANDO em cartaz AVALIAÇÃO ruim

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Divulgação Teodoro (Leandro Hassum), dona Flor (Juliana Paes) e Vadinho (Marcelo Faria) em cena

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