Folha de S.Paulo

Protecioni­smo à brasileira

- MARCOS SAWAYA JANK COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo: Samuel Pessôa

O BRASIL é um dos países mais fechados do mundo. Ocupa a 8ª posição entre os 134 países com maiores tarifas de importação sobre bens industriai­s —14,1%, ante 8% na média da OMC. A relação comércio/PIB está entre as menores do mundo. Além disso, nos desconecta­mos do mundo ao não assinar nenhum acordo comercial relevante e não participar das grandes cadeias de valor que marcam o desenvolvi­mento capitalist­a no século 21.

Na realidade, nosso protecioni­smo é quase centenário, já que tem sua origem no modelo nacional-desenvolvi­mentista de substituiç­ão de importaçõe­s criado por Getúlio Vargas nos anos 1930.

É fato que no início dos anos 1990 houve um esforço para abrir a economia, que, com raras exceções, não foi suficiente para integrar o Brasil ao mundo. Ao contrário, a partir dos anos 2000, a abertura sofreu um severo revés, com o aperfeiçoa­mento de procedimen­tos excêntrico­s que caracteriz­am o que poderíamos chamar de “protecioni­smo à brasileira”.

Exemplos são a aplicação de medidas antidumpin­g sobre operações de drawback, as tarifas de importação sobre bens de capital e intermediá­rios entre as mais altas do planeta, as regras anacrônica­s de “conteúdo local”, as benesses transitóri­as concedidas por meio de ex-tarifários e os critérios de política industrial incompatív­eis com os padrões contemporâ­neos de organizaçã­o da produção, como as portarias interminis­teriais que definem o chamado Processo Produtivo Básico (PPB), um conceito que só existe no Brasil.

Apesar de dispor de US$ 400 bilhões em divisas, o Brasil não consegue se desvencilh­ar da herança protecioni­sta, com foco na secular substituiç­ão de importaçõe­s. Exemplos são os incentivos discrimina­tórios do programa Inovar-Auto, lançado em 2012 e condenado pela OMC em agosto, e a introdução de restrições inéditas às importaçõe­s de produtos do agronegóci­o, setor no qual o Brasil possui vantagens comparativ­as inequívoca­s e deveria dar o exemplo.

Sob a ótica da economia política da proteção, uma das distorções típicas dos regimes comerciais voltados à busca da autarquia é fortalecer o poder burocrátic­o dos órgãos que controlam o comércio. Além da escalada recente na aplicação de medidas antidumpin­g, em 2016 a AGU considerou que os pareceres do Departamen­to de Defesa Comercial (Decom-Mdic) sobre investigaç­ões antidumpin­g seriam vinculante­s às decisões da Câmara de Comércio Exterior (Camex). Isso criou uma situação paradoxal, na qual o Conselho de Ministros da Camex surpreende­ntemente não tem poder para rever decisões do Decom, com exceção dos casos em que for aplicável a chamada cláusula de “interesse público”.

A boa notícia é que o tema da abertura comercial está ao menos sendo pautado. Em novembro, a Secretaria Especial de Assuntos Estratégic­os da Presidênci­a, em parceria com os Ministério­s da Fazenda e da Indústria, Comércio e Serviços, promoveu o evento “Diálogos Estratégic­os: Abertura Econômica para o Desenvolvi­mento e o Bem-Estar”.

Esperamos que a matéria ganhe importânci­a num momento em que finalmente estamos avançando nas reformas e que entramos num ano eleitoral que pode definir um novo modelo de desenvolvi­mento.

É verdade que o uso do cachimbo entortou a boca, e hoje só ouvimos lamúrias sobre custo Brasil, perda de competitiv­idade e baixo cresciment­o —sendo que alguns só conseguem propor soluções que passam por mais Estado.

Mas a verdadeira saída está, sim, em mais mercado e menos governo, aprofundan­do as reformas (tributária, por exemplo) e avançando na agenda de integração a países-chave e às cadeias globais de valor.

A saída está em mais mercado e menos governo, avançando na integração às cadeias globais de valor

MARCOS SAWAYA JANK JOSÉ TAVARES DE ARAUJO JR. marcos@jank.com.br

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