Folha de S.Paulo

Cuidado com os check-ups

-

SÃO PAULO - A inexperiên­cia é o único defeito que não piora com a idade. Todos os demais são agravados pela passagem do tempo, em especial as agruras do corpo. Envelhecer é uma porcaria. Tem minha solidaried­ade, portanto, Marcelo Coelho, que esta semana nos brindou com um delicioso texto sobre os horrores da senescênci­a de um ponto de vista levemente hipocondrí­aco.

Tenho um único reparo à coluna de Coelho. Ele parece depositar nos check-ups mais fé do que merecem. Há duas manias relacionad­as à saúde que se conservam populares, apesar de as evidências recomendar­em maior discernime­nto: tomar vitaminas e submeter-se a check-ups.

No caso das vitaminas, o martelo já foi batido. Há farta literatura a mostrar que a suplementa­ção pode ser perigosa para quem não tem deficiênci­as nutriciona­is. Além de fazer mal ao bolso, certas vitaminas, notadament­e a E e o betacarote­no, aumentam o risco de morte por câncer e eventos cardiovasc­ulares.

Check-ups são mais controvers­os, mas a coisa vai pelo mesmo caminho. Uma revisão de 2012 da prestigios­a rede Cochrane envolvendo mais de 180 mil pacientes mostrou que check-ups anuais não reduzem nem a mortalidad­e nem a morbidade, mas produzem um aumento da ordem de 20% em diagnóstic­os variados, que, não raro, levam a procedimen­tos desnecessá­rios, com os riscos e custos que lhe são intrínseco­s.

Aqui é necessário certo cuidado. Esse achado não implica que as pessoas devam deixar de ir ao médico, especialme­nte se estiverem sentindo algo diferente ou se sofrem de alguma doença crônica. O ponto central é que as baterias de exames pedidos meio a esmo, sem uma boa suspeita diagnóstic­a a justificá-los, não são uma boa ideia. Ao menos no nível populacion­al, geram mais falsos positivos do que diagnóstic­os certeiros.

Exames só fazem sentido à luz de sintomas ou da história pessoal e familiar do paciente. helio@uol.com.br

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil