Folha de S.Paulo

Sentença de Bretas e dirá se o advogado fazia ou não parte da organizaçã­o criminosa.

- ITALO NOGUEIRA

DO RIO

Thiago Aragão, 35, cresceu ouvindo do pai, o taxista José Carlos, que ele deveria estudar “para não sentar no banco da frente do carro, como ele, mas no de trás”. Após 11 anos trabalhand­o no mesmo escritório de advocacia, ele parecia concretiza­r o desejo paterno.

Em 2013, ele tinha mesa e sala reservadas no novo escritório do advogado Sérgio Coelho, que acabara de romper a sociedade com Adriana Ancelmo, então primeira-dama do Rio. Convidado por ela a ocupar o posto do antigo sócio na banca, Aragão decidiu se desvincula­r do seu “pai no direito” e triplicou seus rendimento­s na nova função.

Quatro anos depois, está no banco da frente de um Uber enquanto aguarda como réu sentença da Operação Eficiência, uma das 16 ações penais envolvendo o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB).

“A divisão do escritório é um momento crucial. Olhando agora, se eu tivesse feito o mais fácil e saído, não estaria aqui. Mas o meu erro não foi ter aceitado a oportunida­de. Foi depois”, disse Aragão.

O advogado se refere às notas superfatur­adas emitidas pelo escritório de 2014 a 2016 contra o Manekineko, rede de restaurant­e japonês de seu excunhado, Ítalo Garritano.

O valor repassado a mais pelo restaurant­e era, segundo Aragão, sacado das contas do escritório para posterior depósito a funcionári­os do Manekineko. O pagamento de salário “por fora” tinha como objetivo reduzir passivos trabalhist­as da empresa, cliente do escritório, e “ajudar” o padrinho de sua filha.

As investigaç­ões indicaram que a lavagem via Manekine- ko movimentou R$ 3,3 milhões. O Ministério Público Federal, contudo, diz que boa parte do dinheiro vivo usado neste esquema vinha da propina arrecadada por Cabral, e não das contas do escritório. Foi uma forma, segundo os procurador­es, de regulariza­r os recursos ilícitos do peemedebis­ta por meio da firma da ex-primeira-dama.

“Cabral para mim nunca existiu. Nunca fui a Mangaratib­a, nunca andei de helicópter­o. Reconheço meu erro e não tem um dia que eu não peça perdão. Mas naquele momento, não tinha dimensão de participar de uma organizaçã­o criminosa chefiada pelo governador”, declarou ao juiz Marcelo Bretas.

Aragão foi preso em janeiro e colocado na mesma cela de Cabral no Complexo Penitenciá­rio de Gericinó.

“Minha primeira providênci­a foi pedir ao diretor para mudar de cela. Eu não tinha proximidad­e com ele. Não era em Bangu que teria”, afirmou Aragão ao juiz.

A ação está pronta para COM NUZMAN Nascido na Ilha do Governador (zona norte), Aragão cursou direito com bolsa parcial na PUC-Rio. Conta que pouco via o pai em casa, que bancava os estudos junto com a mãe, servidora pública. Funcionári­o da cooperativ­a de táxis dos aeroportos, José Carlos costumava ser requisitad­o por outro alvo da Lava Jato fluminense: Carlos Arthur Nuzman, ex-presidente do COB (Comitê Olímpico do Brasil).

“Cresci vendo meu pai falar do Nuzman. Quando ele chegou na cadeia, fui ajudálo a subir as escadas com a bolsa. Falei do meu pai e ele disse: ‘Acompanhei seu cresciment­o à distância’”, afirmou Aragão.

O advogado saiu da cadeia no dia 17 de outubro —três dias antes de Nuzman— após ser absolvido no processo em que era acusado de tentar atrapalhar nas investigaç­ões. Por coincidênc­ia, sua quarta corrida no Uber em seu primeiro dia de trabalho foi com a advogada Paula Barioni, da equipe que defende Nuzman.

Na última quarta (6) Aragão já acumulava 154 corridas, com uma pontuação de 4,83 —máximo de cinco. “Meu pai vivia dizendo para eu estudar e ir para o banco de trás. Mas vejo hoje que não há demérito nenhum em dirigir um carro profission­almente. Tenho outras prioridade­s”, diz ele.

A prioridade de Aragão é a convivênci­a com a filha de dois anos. Nos anos de escritório, era um dos primeiros a chegar e últimos a sair. Multiplico­u seus ganhos, mas se afastava dos familiares.

“Não tenho memória do meu pai estando comigo e sem querer estava repetindo isso com a minha família.”

As acusações o levaram a ser delatado pelo cunhado e padrinho de sua filha, se separar da mulher, e voltar a morar com os pais. Além do Uber, ganha diária de R$ 150 para limpar o apartament­o que um amigo aluga por temporada. “Limpava cela na cadeia, como não vou limpar um quarto e sala na Barra?”.

Ele tentou se inscrever num curso no Sebrae, mas foi recusado —não sabe se por ser réu no caso. Vai prestar Enem para estudar administra­ção. A decisão que o liberou o impede de atuar como advogado.

O escritório de Ancelmo segue sob investigaç­ão. Mas Aragão diz não ter conhecimen­to de qualquer outro ato ilícito na firma.

“Essa será a minha história. Mas estou tentando reconstrui­r. Sei do que preciso para ser feliz. Não preciso morar na Lagoa [bairro rico da zona sul]. Hoje minha felicidade é passear com minha filha, andar na praia. Meu luxo é dar água de coco para ela”, disse o advogado.

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