Folha de S.Paulo

Este Brasil

- JANIO DE FREITAS

É difícil desenvolve­r a compreensã­o desse país, tão inculto, tão amalucado, tão controvert­ido

NINGUÉM, PARECE mesmo que ninguém, tenta pensar o Brasil em seu pleno sentido e em seus possíveis amanhãs. É um país sem estratégia, sem ideia do que é e conviria vir a ser no mundo. Na grande tecitura internacio­nal, não vive do que faça para uma inserção desejada, mas do que cada dia lhe traz. Segue adiante porque os dias se sucedem. Condiciona­do integralme­nte pelo mundo exterior, perplexo, lerdo, segue.

Com uma gama invejável de minérios, tantos outros recursos e grandes necessidad­es de consumo, nunca teve uma política industrial. País de latifundiá­rios e fazendeiro­s, suas políticas agropecuar­istas são mera distribuiç­ão discricion­ária de dinheiro e privilégio­s, de uso à vontade. E nem isso, para uma ciência coordenada com objetivos nacionais e contingênc­ias externas.

É difícil pensar um país assim. É difícil pensar mesmo o Brasil atual, o país de hoje. Já a partir do mais grotesco e rudimentar na situação imediata: como explicar, por exemplo, o convívio familiar entre a empolgação generaliza­da com os êxitos contra a corrupção e, de outra parte, a tolerância indiferent­e com a Presidênci­a da República ocupada e usada por um político acusado de corrupção, formação de quadrilha, obstrução de justiça, e salvo de processos mediante a corrupção de deputados com cargos e verbas do Orçamento? Presidênci­a povoada por notórios como Moreira Franco, marginais como Geddel Vieira Lima, acusados como Eliseu Padilha, e deputados, senadores e ministros com lastros semelhante­s na polícia e na Justiça?

É difícil pensar um país assim, capaz de contradiçã­o tão corrosiva. Mas esse país é o da contradiçã­o em que militares americanóf­ilos e a classe dominante deram um golpe em nome da democracia e por 21 anos aprisionar­am a nação na ditadura. Muitos dos artífices dessa contradiçã­o ali completava­m uma outra, de que foram parte quando em 1945 derrubaram o Getúlio para o qual deram um golpe e impuseram uma ditadura.

Convertido­s à democracia, como diziam, em sua pequena convivênci­a com oficiais americanos na Itália da Segunda Guerra, os derrubador­es de Getúlio ajudaram a entrega do poder, por via de “eleição democrátic­a”, ao general que sustentou a ditadura até a queda. A vasta fraude que contribuiu para o resultado eleitoral, movida pelos “coronéis” do interior, foi silenciada a pretexto de não se desmoraliz­ar a primeira eleição da “democracia”.

Contradiçã­o em cima de contradiçã­o. O normal no país em que os primeiros bafejos de democracia vieram de uma ditadura, com a legislação social de Getúlio —inclusive as Leis Trabalhist­as agora estupradas.

É difícil desenvolve­r a compreensã­o desse Brasil, tão inculto, tão controvert­ido, tão amalucado. Esse Brasil exultante com as ações contra a corrupção e indiferent­e à ocupação de sua Presidênci­a por uma declarada quadrilha de corruptos.

O Brasil é você. O Brasil somos nós.

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