Folha de S.Paulo

TRE-SP banca servidores em eleição privada

Ao menos 20 funcionári­os ganharam horas extras por terem trabalhado em votação de associação de magistrado­s

- JOSÉ MARQUES

Tribunal diz manter cooperação há décadas; prática é criticada por especialis­tas em direito administra­tivo

Ao menos 20 funcionári­os do TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo) ganharam horas extras pagas pelo serviço público por terem trabalhado, no último sábado de novembro, para uma associação privada.

Convocados pelo tribunal, eles participar­am da apuração das eleições da Apamagis (Associação Paulista de Magistrado­s), que representa 3.000 juízes e desembarga­dores no Estado.

A votação foi realizada das 8h às 15h, no dia 25 de novembro, e a apuração dos votos ocorreu a partir das 15h30. Além do trabalho, os funcionári­os do tribunal também foram transporta­dos por carros do TRE ao local, um clube na zona sul paulistana que funciona como sede social da associação.

Por ser fim de semana, eles ganham horas extras com adicional de 50%, que são usufruídas como folgas nos dias úteis.

Cada um trabalhou em torno de sete horas naquele sábado, o que rendeu, com o adicional, ao menos 220 horas extras no serviço público.

A reportagem esteve no clube no dia das eleições e presenciou os funcionári­os atuando para a associação. Havia membros da diretoriag­eral do TRE, da secretaria de gestão de pessoas, da tecnologia e do setor financeiro, entre outros.

Segundo o próprio tribunal, esse serviço extra é recorrente e feito por servidores para a Apamagis ao menos desde 1996 —o órgão público e a associação, diz nota do TRE, têm uma “cooperação institucio­nal de décadas”.

Procurados, tanto o TRE quanto a Apamagis dizem que, para sustentar a convocação de servidores, se baseiam em uma resolução de 2007 que dispõe sobre empréstimo­s de urnas para “eleições parametriz­adas” — feitas, segundo a própria Justiça Eleitoral, com votação eletrônica, em que funcionári­os ajudam a divulgar o equipament­o usado nas eleições.

No entanto, a eleição da Apamagis foi realizada com urnas manuais. Questionad­o, o TRE interpreta que “se pode o mais (eleições eletrônica­s), pode o menos (eleições manuais)”.

A resolução também limita os pedidos a “entidades públicas organizada­s e instituiçõ­es de ensino”, mas diz que “excepciona­lmente” outras entidades podem ser atendidas —e é nesse critério que essa e as outras eleições da Apamagis com suporte do TRE entrariam.

A medida ainda afirma que a entidade que solicita o serviço é quem tem o dever de bancar as diárias.

Um exemplo recente de eleição que seguiu a resolução do TSE foi a eleição para presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, na quarta (6). Mas nesse caso se trata de entidade pública. TRÂMITE O pedido de servidores para dar apoio às eleições foi feito em 18 de setembro pela presidênci­a da junta eleitoral da Apamagis. Ela solicitou ajuda de 20 servidores do TRE-SP, além de urnas e cabines de votação, para o pleito.

A solicitaçã­o passou por instâncias internas do tribunal até chegar à presidênci­a no dia 13 de outubro, quando foi aprovada.

Mais que os 20 funcionári- os solicitado­s, o tribunal listou o nome de 24 pessoas — incluindo três motoristas para o translado de servidores.

No documento, o TRE aponta que “sejam as horas de trabalho prestadas pelos servidores no dia 25 de novembro do corrente (sábado), sob o regime de serviço extraordin­ário, anotadas como horas credoras, com prazo para fruição até 19 de dezembro de 2022”.

A autorizaçã­o foi dada pelo presidente do TRE, Mário Devienne Ferraz, após passar pela diretoria-geral.

Especialis­tas em direito administra­tivos consultado­s pela reportagem questionam a regularida­de do “empréstimo” de servidores, com horas extras de contrapart­ida, para uma entidade privada e ligada a uma categoria.

“A cessão de servidor público deve ocorrer quando há interesse público, nesse caso não há algum”, afirma a promotora Rita Tourinho, professora de direito administra­tivo da Universida­de Federal da Bahia.

“Nesse caso, eles terão que ceder também funcionári­os a qualquer outra entidade que faça eleição ou fere o princípio da impessoali­dade”, afirma a especialis­ta.

Fabrício Motta, presidente do IBDA (Instituto Brasileiro de Direito Administra­tivo), diz que, para se disponibil­izar servidores a trabalho em uma associação que não é pública, teria que “haver uma lei estritamen­te específica” a respeito dessa possibilid­ade.

Na eleição da Apamagis, foi eleito para a presidênci­a o juiz Fernando Bartoletti, com 1.518 votos de um total de 2.108.

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Reprodução Sede do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, que destacou servidores para votação em associação em novembro

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