Folha de S.Paulo

A Palestina, na hora do pesadelo

- CLÓVIS ROSSI COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Mathias Alencastro, quinta: Clóvis Rossi, domingo: Clóvis Rossi

COMECEMOS PELA sensata observação de Joshua Davidovich para o “Times of Israel” desta sexta-feira (8), a respeito da declaração do presidente Donald Trump sobre Jerusalém: “A única coisa que parece clara é que o futuro não está claro em absoluto”.

A bem da verdade, nem mesmo o passado recentíssi­mo está claro: como demonstrou a sempre excelente Patrícia Campos Mello em sua coluna de sexta-feira (8), Trump não esclareceu a que Jerusalém se referia quando a designou capital de Israel.

Toda Jerusalém? Ou excluiu a parte oriental, de população majoritari­amente palestina?

Seja como for, alguma coisa só começará a ficar clara a partir desta segunda-feira (11), quando se reunir a Organizaçã­o da Conferênci­a Islâmica, que abrange 57 países nos quais vivem estimados 1,5 bilhão de muçulmanos.

Estou pulando para segunda-feira e para o território governamen­tal porque é improvável que os protestos dos palestinos e a ameaça de uma terceira intifada mudem o panorama.

Israel passou incólume pelas duas intifadas anteriores e pela hostilidad­e dos países árabes e muçulmanos. Não mudou nem sequer uma vírgula em sua política de expansão dos assentamen­tos em território palestino e tampouco empreendeu esforço algum para dar real conteúdo aos sucessivos processos de paz ensaiados.

Não seria agora que está em posição de maior força que iria se mexer por causa de um, dois ou três “dias de ira” da rua palestina.

O que pode mudar algo é se houver uma iniciativa realmente forte dos países islâmicos, que até aqui têm sido apenas retóricos no apoio à causa palestina.

Numa hipótese otimista, pode dar-se o que pede Amiram Levin, em sua coluna de sexta (8) para o “Yedioth Ahronot” (últimas notícias, em hebraico):

“É a hora de urgir os palestinos a ver o anúncio de Trump como uma oportunida­de para voltar à mesa de negociaçõe­s e mover-se rumo à solução dos dois Estados [um judeu, o outro, palestino]. É a hora em que Israel precisa ser grande e compromete­r-se a permitir aos palestinos que determinem sua própria capital, uma vez que as fronteiras finais tenham sido estabeleci­das, em vez de se intrometer”.

Como essas hipóteses nunca vingam, é forçoso também examinar o cenário pessimista, levantado, por exemplo, por Ofer Zalzberg e Nathan Thrall, analistas para Israel e Palestina do Crisis Group: eles imaginam que, se não houver um incêndio de grandes proporções na Cisjordâni­a e nos países vizinhos de Israel e se a pressão diplomátic­a não for suficiente­mente robusta, a extrema direita israelense pode achar que seria capaz de encarar também a repercussã­o de anexar a Cisjordâni­a [o território palestino] em sua totalidade.

É uma visão compartilh­ada por Dana Allin (Instituto Internacio­nal de Estudos Estratégic­os, Londres) e Steven Simon (Amherst College), em artigo para a “Foreign Affairs”:

“Trump aliou-se com a ala direita israelense [...] e deu a esse campo a esperança de que seus sonhos de que Israel absorva os território­s palestinos possam ser realizados”.

Seria o fim definitivo do sonho palestino de um Estado próprio e tornaria ainda menos claro um futuro que já está bastante embaçado.

O anúncio de Trump pode ser apenas o 1º passo para acabar de vez com o sonho de um Estado próprio

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